terça-feira, outubro 30, 2018

Sexta, 19.
Ontem fui ao dentista e antes passei na Brasileira para falar ao Virgílio e a tutti quanti. Na sala de espera, o incontornável aparelho de televisão a entreter a dor e a demora. Que ridículo! Que espectáculo dantesco! Que atentado à inteligência! Em redor dos entertainers, um friso de mulheres exibindo a menopausa sorridente, batendo palmas e abanando com a cabeça em concordância com o que via e ouvia. E o que era? Uma palete de palavreado oco, misturado com piadas mais ou menos perversas, de uma aridez confrangedora. Pior: os apresentadores tinham-se em muito boa conta, gozando cada pensamento profundo, explicando e garantindo com mediocridade total o pobre salário que auferem. As televisões descobriram a pólvora na forma sagrada de a santa família. Eles fazem aquelas piruetas para a família, é em família que estão, é pela família que se travestem, dão chorudos prémios, chamam a nata dos artistas pimba, é pela família que escolheram a vulgaridade, porque a família anda muito desnorteada e não está para ouvir coisas puxadas à sustância. Tudo é construído pela raiz, cediço,  razia de ideias, coisinhas banais que distraem milhares das mentiras do falso progresso, do amor abençoado que une parentes, filhos e pais, refazendo a divisa: Deus, Pátria, Família tão caro ao fascismo.

         - Agora que não tenho tantas responsabilidades no campo, reencontrei-me com as manhãs sossegadas do sono. Quando antes me levantava pelas seis, faço-o agora pelas oito. Hoje dormi de uma assentada nove benditas horas. Envelheço regressando à minha juventude bravia e intrépida.

         - Ambiciono ler de fio a pavio Michel de Montaigne. O ano passado adquiri em Paris os Essais. É um grosso volume com mil trezentas e cinquenta páginas da edição da Gallimard que me vai simultaneamente fazer mergulhar em Séneca, Cícero ou  Sócrates – os meus mestres de vida.

         - Talvez em Paris os deuses me deem a paz necessária a consumação de O Juiz Apostolatos. Antecipo em felicidade as horas fechado no meu quarto azul, tendo o parque de la Courneuve para estender os olhos cansados da folha do computador e o espírito resoluto de criação galopante.   

         - Conceição mais bonita que nunca. Encontrámo-nos para um chá no pequeno café do primeiro andar do Corte Inglês. Durante duas horas pusemos a conversa em dia, tocando tantos temas que seria impossível traçá-los nesta página. Justamente, a amizade faz-se de silêncios cheios de palavras. Palavras habitadas da voz das recordações, dos silvos do vento, das imagens que perduram. E também das reservas, do que se pressente, do que se esconde e nos separa e acaba por unir – pontes sobre os espaços de abismos, desfiladeiros ternos da nossa condição de humanos.


         - Assim comigo. Há três anos que ignoro os apelos do Príncipe depois da história da nossa ida – Conceição e minha – a sua casa de campo, perto de Sintra. Todavia, quando a amiga comum me comunicou o estado de saúde em que se encontra a mãe do Príncipe, logo lhe mandei um sms confortando-o. Não guardo rancores a ninguém. A vida é tão curta que melhor é aligeirar ódios e maledicências como nos ensina o Pai Nosso: “Perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido...” Mateus é claro e os outros Apóstolos não o desmentem.