Quarta, 24.
Deixei,
lido, sobre a minha mesa de trabalho o Último
Caderno de Lanzarote. Quando há dias disse que ele não acrescenta nada à
obra do autor, queria dizer que nas 269 páginas não há nada que nos surpreenda
e quase todo o conteúdo do livro é repetir coisas que foram publicadas. Se é
suposto ser um diário, não nos dá nem sombra da vida quotidiana de Saramago. O
discurso do Prémio Nobel está publicado em volume, os artigos da Visão
lembro-me de os ter lido na revista, resta a carta de uma leitora
colombiana-venezuelana (pp. 224-227), que me levou a juntar as minhas lágrimas
às de José Saramago pela maravilha e riqueza da missiva.
- É sinistro o que se prepara no
Brasil. A direita e a extrema-direita devem agradecer à esquerda e à
extrema-esquerda a sua chegada triunfal ao poder. Tudo o que vemos é
assustador, a começar pelo apoio dos Evangélicos a Bolsonaro. Aquilo não é uma
religião, é um atentado ao coração das pessoas, um insulto a Deus, um pesadelo.
Se olharmos de frente, quem vemos que nos oferece a proximidade à palavra de
Jesus? Os católicos, os protestantes, os ortodoxos, os budistas... O resto é
quase só aproveitadores, manipuladores, gente que enriquece com o
analfabetismo, a ignorância. Claro que a direita já está no poder, é evidente
também que Haddad não terá sido a boa escolha. Não direi que a democracia
terminou no Brasil, adiantarei que uma grande parte das liberdades ficarão
suspensas. Paulo Guedes, o economista que inspira Bolsonaro, é adepto do Estado
mínimo, portanto, os pobres que morram nas valetas e ruas do Rio de
Janeiro.
- A força da natureza que foi o meu
parceiro (porque, coitadinho, fazia da coxearia a sua imagem de marca) Charles-Maurice
de Talleyrand (1754-1838) de quem já aqui falei, acabo de ler no breve livro
que encontrei na biblioteca da Annie, estas máximas que dizem bem da sua
personalidade e actualidade, se tivermos em conta o camaleão que ele foi. “En politique, ce qui est cru devient plus
important que ce qui est vrai.” “Si les gens savaient par quels petits hommes
ils sont gouvernés, ils se révolteraient vite.” “La politique, ce n´est qu´une
certaine façon d´agiter le peuple avant de s´en servir.”
- Não vim carregado de livros porque
os há aqui em abundância e diversidade. Praticamente, nos fins-de-tarde, antes
de voltar para casa, dou uma volta pelas livrarias do Quartier Latin e passo ao
longo do Sena a espreitar os bouquinistes.
Hoje o dia acordou com a marca da cidade: tristonho, pardacento, moche. Em
redor de Notre-Dame os turistas atropelam-se - são a praga dos tempos modernos,
das viagens law-cost, do trapinho roto sobre corpos por vezes provocantes e
tentadores (valha-nos isso). Não percebo o que procuram neste afã de cheirar
tudo o que encontram no caminho. Assemelham-se mais a baratas tontas, à moda do
smartphone, ao conhecimento digerido como a sardinha “ao momento”. Melhor fora
que ficassem nos seus países e aí, no aconchego das suas casas, consultassem na
Net as cidades e os lugares por onde passam como cães por vinha vindimada.