terça-feira, outubro 30, 2018

Sábado, 13.
As tentações são muitas. O senhor Castilho, do alto dos seus 88 anos felizes e dinâmicos, homem sério e honesto, garante-me que vai ocupar-se da venda deste espaço em condições mais que vantajosas para mim, com o aliciante de poder se eu desejar ficar aqui até ao fim dos meus dias. A verba em questão dar-me-ia para voltar a viver com conforto outra vida. Resolverei eu? E este silêncio, esta planície de verdes, esta casa que enfeitiça todos os que aqui desembarcam, os milhares de livros lidos, as milhares de páginas escritas, o amor entre estes muros santificado, as conversas à lareira, o rumor dos invernos quando as noites se instalam, as portadas encostadas nos estios desalmados, os caminhos de terra batida para aqui chegar, os vizinhos e amigos que ajudaram a levantar as primeiras pedras, a plantar as primeiras árvores, a incógnita do lugar nas auroras dos entusiasmos, o restolho das cobras e lagartas nos verões escaldantes, a casota do Ramsés ainda intacta, mas já sem o meu querido animal, os almoços lá fora sob o guarda-sol, intermináveis e corridos a debates acalorados, e tudo o que o sonho ainda não realizou e fica como a ponta que levanta os desejos que não findam nunca, espécie de sentimento de vida eterna, no desafio dos dias a porvir? Ou será que o destino pretende tomar a minha existência na forma de uma sinfonia, mas desta vez em sentido inverso. Antes passava a semana em Lisboa e vinha aos fins-de-semana. Agora poderei ficar aqui a semana toda e passar os sábados e domingos na capital. Oh, céus! Tanto não mereço eu!

         - Isto porque o meu desejo, num país que não cumpre a palavra dos vivos, menos o fará com a dos mortos. As sondagens que fui fazendo para transformar este espaço num lugar de escrita, paraíso dos meus queridos escritores, resultaram infrutíferas. A ganância e a ambição são mais fortes e destroem todas as directivas que eu deixar escritas. Esqueço-me que não estou em França, onde os testamentos dos vivos ficam grafados nas pedras tumulares da honra e do apreço à generosidade vindoura e são cumpridos e respeitados escrupulosamente.

         - Comparam a demissão do Ministro da Defesa com a saída do Governo de João

 Soares. É, pura e simplesmente, comparar com o incomparável.