terça-feira, março 24, 2020

Terça, 24.
Este período de quarentena vejo-o, em todos os sentidos, como bênção divina. Não só porque nos protege do contágio de um vírus que os cientistas não sabem explicar (pudera ele foi construído pelo homem!) como, no meu caso pessoa, interessantíssima forma de levar a vida de outro modo. Começa por ter deixado crescer a barba (uma mistura castanha e branca), andar roto (que gosto muito), economizar bastante, trabalhar todas as manhãs no campo, fazer tarefas para as quais ensaio os primeiros passos: passar a ferro dez boxers, quatro lençóis do montão de roupa que aguarda a Piedade. Vejam lá! Um futuro Nobel da Literatura a dar a ferro os seus culotes! Onde é que já se viu isto! O homem é completíssimo, digo-vos eu, quem o levar leva um tesouro! Mais a mais agora que deixou de escrever, obstruído pela miséria que o encalha num qualquer lugar obscuro onde a criação é uma inutilidade ou um modo ocioso de consumir os neurónios.

         - Por aqui, quero dizer ao portão, passam agora alguns jovens de ambos os sexos em passeios pedestres. Nunca vi esta gente e imagino que tenham fugido da grande cidade. Só espero que não tragam a víbora para estas terras de ar puro e horizontes rasgados.

         - Este é o tempo do cano de esgoto que é a Internet: triturar todos os ressentimentos típicos de um povo ignorante e parlapatão. Pacheco Pereira, outro dia, em artigo no Público: “Quem lê, seja por obrigação, por interesse ou por gosto, está mais preparado para olhar para a pandemia, aprendendo sobre ela mais e melhor.” 

         - O mesmo diário trazia há dias esta foto que diz muito da inconsciência, pedantice e bajulice do novo Governo da Eslováquia. Reparem no chic da dama que desce as escadas: tudo faz pendant com a idiotia. 



         - Esta manhã, acompanhando das damas de Zuckerberg na vinha ao lado, continuei a roçar as ervas que cresceram tanto que abafaram o relvado. Junto do alpendre onde guardo a lenha, extasiei ante este exemplar de um verde lindo raiado de fios brancos nas folhas largas. É uma planta vadia e não conheço o seu nome, mas merece viver enquanto a sua beleza alegrar os meus olhos.  



         - Ainda bem que não viajei para Budapeste. O Primeiro-Ministro Orbán quer poder total para suspender leis e aprovar decretos sem autorização do Parlamento. Monta no pânico ao coronavírus para impor mão forte. Quatro dias antes de eu deixar a capital se tivesse ido, mandou fechar o aeroporto. E no entanto, eu informei-me quantos casos havia no país, disseram-me três. Mentira.