Terça,
24.
Este
período de quarentena vejo-o, em todos os sentidos, como bênção divina. Não só
porque nos protege do contágio de um vírus que os cientistas não sabem explicar
(pudera ele foi construído pelo homem!) como, no meu caso pessoa, interessantíssima forma de levar a vida de outro modo. Começa por ter deixado
crescer a barba (uma mistura castanha e branca), andar roto (que gosto muito),
economizar bastante, trabalhar todas as manhãs no campo, fazer tarefas para as
quais ensaio os primeiros passos: passar a ferro dez boxers, quatro lençóis do
montão de roupa que aguarda a Piedade. Vejam lá! Um futuro Nobel da Literatura
a dar a ferro os seus culotes! Onde é que já se viu isto! O homem é
completíssimo, digo-vos eu, quem o levar leva um tesouro! Mais a mais agora que
deixou de escrever, obstruído pela miséria que o encalha num qualquer lugar
obscuro onde a criação é uma inutilidade ou um modo ocioso de consumir os
neurónios.
- Por aqui, quero dizer ao portão, passam agora alguns jovens de ambos
os sexos em passeios pedestres. Nunca vi esta gente e imagino que tenham fugido
da grande cidade. Só espero que não tragam a víbora para estas terras de ar
puro e horizontes rasgados.
- Este é o tempo do cano de esgoto que
é a Internet: triturar todos os ressentimentos típicos de um povo ignorante e
parlapatão. Pacheco Pereira, outro dia, em artigo no Público: “Quem lê, seja
por obrigação, por interesse ou por gosto, está mais preparado para olhar para
a pandemia, aprendendo sobre ela mais e melhor.”
- O mesmo diário trazia há dias esta
foto que diz muito da inconsciência, pedantice e bajulice do novo Governo da
Eslováquia. Reparem no chic da dama que desce as escadas: tudo faz pendant com a idiotia.
- Esta manhã, acompanhando das damas
de Zuckerberg na vinha ao lado, continuei a roçar as ervas que cresceram tanto
que abafaram o relvado. Junto do alpendre onde guardo a lenha, extasiei ante
este exemplar de um verde lindo raiado de fios brancos nas folhas largas. É uma
planta vadia e não conheço o seu nome, mas merece viver enquanto a sua beleza
alegrar os meus olhos.
- Ainda bem que não viajei para
Budapeste. O Primeiro-Ministro Orbán
quer poder total para suspender leis e aprovar decretos sem autorização do
Parlamento. Monta no pânico ao coronavírus para impor mão forte. Quatro dias
antes de eu deixar a capital se tivesse ido, mandou fechar o aeroporto. E no
entanto, eu informei-me quantos casos havia no país, disseram-me três.
Mentira.