quarta-feira, março 25, 2020

Quarta, 25.
Robert telefonou. Estivemos que tempos à conversa quando ele, a dado momento, me diz que esteve a ver um programa com cientistas e médicos e daí resultou o reconhecimento que Portugal está proporcionalmente melhor apetrechado para fazer face à Covid-19 que a França e outros países da Europa. Gostei. Que diabo, apesar de o pessoal hospital se queixar e com razão da falta de material de protecção, o facto é que o governo tudo tem feito para colmatar essa escassez. Até à China que está na origem desta pandemia, compra material e com isso o fechado e martirizado país sob a pata da ditadura reforçada, ainda ganha economicamente com o desastre. Depois eu disse: “Imagina que vocês tinham vindo para aqui, agora não podiam regressar a Paris. – Isso era o que eu queria! Preferia estar aí de quarentena meses, a aqui uma semana!”

         - Ele e eu temos outra preocupação: a Annie. Autoritária, obsessiva e dominadora, com 85 anos, sai com frequência para ir ao Carrefour fazer compras, não se importando com o que daí possa advir em termos de saúde. Robert confiscou-lhe a chave do carro, mas ela amparada nos bastões, desengonçada, foi para a paragem do autocarro. Antes morrer que ceder a autoridade e o domínio que sempre foi o seu. À noite telefonei-lhe e disse-lhe com voz forte: “Annie, je t´interdit de sortir de la maison. Est-ce que tu m´entend? Oui, oui Helderrr. »

         - Começa-se a falar de um medicamento para tratar a Covid-19: o Cloroquina. Julgo que é um fármaco que servia para atacar o paludismo. Mas ninguém se entende quanto à sua eficácia e oportunidade. Eu quando vejo o construtor civil a vendê-lo como se fosse uma arroba de batatas, desconfio. Porque este vírus não é da mesma natureza dos vírus que a ciência está habituada a eliminar. Parece que nem anticorpos cria naqueles que ataca. Assim sendo, só uma vacina pode bani-lo da face da terra.

         - As mulheres de Zuckerberg esta manhã trabalharam à minha porta. Contei-as: entre elas e eles doze ao todo. A conversa não agradaria ao seu patrono porque tendeu para a tragédia: o número de empresas a fechar nas suas bocas são mais que muitas. Exclamavam: “Como vai ser!” e trocavam nomes de quem já não receberia o salário este mês. 


         - Tempo aprazível. Folguei um pouco do trabalho pesado dos últimos dias e deitei mãos à recolha da erva. Levei-a depois em carros atulhados para o fundo da quinta de modo a queimá-la no próximo Inverno. Li as primeiras 50 páginas do Diário de V.W.. Continuo a recolha dos livros disperso por toda a casa e a catalogá-los na biblioteca de cima. Vou reler A Peste de Camus. Desde segunda-feira que não saio. Amanhã vai ter que ser porque começam a esgotar frutas e legumes e tenho contas a pagar. Escrevo no salão, o computador nos joelhos, quando batem 18 horas e o ocaso desfalece docemente às janelas do lado poente da casa. Silêncio profundo. Leve agitação das folhas nas árvores. Black dorme desde o almoço, recupera da pouca vergonha que o esgota.