Quarta,
25.
Robert
telefonou. Estivemos que tempos à conversa quando ele, a dado momento, me diz
que esteve a ver um programa com cientistas e médicos e daí resultou o
reconhecimento que Portugal está proporcionalmente melhor apetrechado para
fazer face à Covid-19 que a França e outros países da Europa. Gostei. Que
diabo, apesar de o pessoal hospital se queixar e com razão da falta de material
de protecção, o facto é que o governo tudo tem feito para colmatar essa
escassez. Até à China que está na origem desta pandemia, compra material e com
isso o fechado e martirizado país sob a pata da ditadura reforçada, ainda ganha
economicamente com o desastre. Depois eu disse: “Imagina que vocês tinham vindo
para aqui, agora não podiam regressar a Paris. – Isso era o que eu queria!
Preferia estar aí de quarentena meses, a aqui uma semana!”
- Ele e eu temos outra preocupação: a
Annie. Autoritária, obsessiva e dominadora, com 85 anos, sai com frequência
para ir ao Carrefour fazer compras, não se importando com o que daí possa advir
em termos de saúde. Robert confiscou-lhe a chave do carro, mas ela amparada nos
bastões, desengonçada, foi para a paragem do autocarro. Antes morrer que ceder
a autoridade e o domínio que sempre foi o seu. À noite telefonei-lhe e
disse-lhe com voz forte: “Annie, je
t´interdit de sortir de la maison. Est-ce que tu m´entend? Oui, oui
Helderrr. »
- Começa-se a falar de um medicamento
para tratar a Covid-19: o Cloroquina. Julgo que é um fármaco que servia para
atacar o paludismo. Mas ninguém se entende quanto à sua eficácia e
oportunidade. Eu quando vejo o construtor civil a vendê-lo como se fosse uma
arroba de batatas, desconfio. Porque este vírus não é da mesma natureza dos
vírus que a ciência está habituada a eliminar. Parece que nem anticorpos cria
naqueles que ataca. Assim sendo, só uma vacina pode bani-lo da face da terra.
- As mulheres de Zuckerberg esta manhã
trabalharam à minha porta. Contei-as: entre elas e eles doze ao todo. A
conversa não agradaria ao seu patrono porque tendeu para a tragédia: o número
de empresas a fechar nas suas bocas são mais que muitas. Exclamavam: “Como vai
ser!” e trocavam nomes de quem já não receberia o salário este mês.
- Tempo aprazível. Folguei um pouco do
trabalho pesado dos últimos dias e deitei mãos à recolha da erva. Levei-a
depois em carros atulhados para o fundo da quinta de modo a queimá-la no
próximo Inverno. Li as primeiras 50 páginas do Diário de V.W.. Continuo a recolha dos livros disperso por toda a
casa e a catalogá-los na biblioteca de cima. Vou reler A Peste de Camus. Desde segunda-feira que não saio. Amanhã vai ter
que ser porque começam a esgotar frutas e legumes e tenho contas a pagar. Escrevo
no salão, o computador nos joelhos, quando batem 18 horas e o ocaso desfalece
docemente às janelas do lado poente da casa. Silêncio profundo. Leve agitação
das folhas nas árvores. Black dorme desde o almoço, recupera da pouca vergonha
que o esgota.