sábado, março 07, 2020

Sábado, 7.
Ontem apareceram a Marília e o João. Jantámos em Setúbal e ficámos perdidos à mesa em conversa onde a política quase não entrou. Foi muito agradável e os temas vadios entravam e saíam para dar lugar à anamnese. Falei do meu tempo no Centro Universitário, à Estefânia, e trouxe ao convívio os meus camaradas muitos dos quais abraçaram mais tarde o jornalismo que, naturalmente, Corregedor conhece. Falou-se de livros e autores, numa animação serena, espécie de murmúrio que interroga o passado e perpassa o instante de infinitas luminescências. Muito de Saramago, da sua passagem pelo Diário de Notícias, dizendo eu que ele não se impôs pela palavra fácil e agradável, mas pelo pleno sentido da decência e do papel do escritor enquanto conta-corrente, sem abjurar as suas convicções políticas. Deixei-os na estação. A noite fria trazia nas costas a peçonha que mata e enche de pavor povos do mundo inteiro. Estava tão sereno, tão pacificado pelas decisões que tinha tomado ao longo do dia, que me enterrei no sofá, sem sono, arrebatado pela força, a voz, o corpo de Tina Turner em concerto no canal ARTE, e hipnotizado permaneci até depois da meia-noite.

         - Decidi reportar a minha viagem à Hungria para outra altura menos perigosa. Isto porque amigos, sobretudo a Maria Luísa, a Diane que é médica e esteve a semana passada em Budapeste me suplicaram que o fizesse. Por outro lado, não tenho confiança no país onde a impressa parece estar subjugada às teorias fanfarronas do primeiro-ministro e, nessas condições, tudo o que é possível saber não passa de uma mentira. Como, por exemplo, a notícia de três casos com Covid-19 surgidos, de repente, do nada. Por outro lado, põe-se a situação da Annie e Robert que deviam chegar dia 27 deste mês para dez dias aqui e pelo Norte. Eles estão muito apreensivos e eu também. Deixei, todavia, ao seu critério a decisão de viajarem ou não. Que mundo, hei! 

         - O nojento jogo político critica o Governo por não estar à altura na resposta ao Covid-19, nomeadamente, quanto ao SNS 24. Pois bem. Eu gosto de falar com base na experiência pessoal: ontem liguei para lá para me aconselhar se devia ou não viajar nesta altura. Devo ter esperado uns escassos cinco minutos e logo uma excelente funcionária deu-me a resposta oficial. Foi com base na totalidade de familiares, amigos e SNS que, não sendo de todo casmurro, optei por não abandonar o país.   

         - A propósito. Somos um país de ignorantes e imbecis. Esta manhã, uma vendedeira de fruta e legumes, no mercado dos pequenos agricultores do Pinhal Novo, dizia para quem a quisesse escutar, que este vírus foi invenção para dar a ganhar a alguns. É este o fio condutor da propagação do coronavírus. 


         - Continuei a dar o produto nas macieiras ajudado pelo sol maravilhoso que hoje nos envolveu. Como já não saio, vou ter mais tempo para me dedicar ao muito que aqui não pára de me solicitar. São 17,30.