terça-feira, maio 03, 2022

Terça, 3. 

Pois é les beaux esprits se rencontrent. É o caso da manifestação no Primeiro de Maio, na Praça Vermelha, em Moscovo, em favor da “operação militar especial” contra a Ucrânia, lançada pelo fascista-tirano que governa há vinte anos a Rússia, levada acabo pelos comunistas (ou do que deles resta). É um contra-senso, uma derradeira tentativa de salvar as teorias que o marxismo não conseguiu instalar em lado de nenhum, defendendo alguém que é o contrário das ideologias que o fundamentam. Estar ao lado de um capitalista corrupto, que vive enclausurado num labirinto de betão e cimento, oprime o povo, mata quem o enfrenta, faz uma guerra idiota, vive cercado de um harém de oligarcas com imensas fortunas fora do país, nunca se preocupou com o nível de vida do seu povo, é cruel e desumano, bonifrate da tragédia humana como não se via desde Estaline e Hitler! Compreendemos melhor agora a razão pela qual os nossos comunistas agiram e agem no concernente ao apoio ao ditador, trancados no sofisma de estarem do lado da paz. Que falsidade! Que vergonha! Perderam as referências ideológicas, não têm a quem se agarrar, olham à sua volta e vêem desabar a solidez da mentira marxista, os resquícios do marxismo-leninismo que só foram instalados à força, humilhando os povos, transformando as suas vidas num cárcere hediondo. Não seria nada mau que os comunistas fizessem um brainstorming entre eles para sabermos como estão hoje,  volvido um século, as experiências cruéis do bolchevismo. Radicais, obscurecidos pelos dogmas de Marx e Engels, à deriva por não conseguirem implementar o céu na terra, só convencem as almas dos povos tristes e pobres, analfabetos e crentes no salvador que lhes promete o que nunca lhes dará: liberdade, educação, riqueza, paz e saúde. 

         - Claro que o pobre Zelensky é acusado de tudo e o mais, ele e Vitali Klitschko o bravo presidente da Câmara de Kiev. Eles e os companheiros que não eram políticos, não tinham a consciência manchada pelo conluio, pelas benesses, pela argumentação barata que os faz falar horas a fio sem dizer absolutamente nada, numa contradança sem par à altura. Esta plêiade de políticos feitos à força e pela força da guerra, surpreende e revolta essa turba de políticos de Moscovo a Pequim, dos Estados Unidos à Europa. São heróis, têm crença na democracia, na identidade, na independência, são apoiados pelo povo e pelos militares, são destemidos, enfrentam o autocrata de cabeça levantada e vão ganhar uma guerra para a qual não estavam preparados nem possuíam os meios bélicos que o invasor desbarata. 

         - Dito isto, uma palavra a favor de António Guterres. Entrou tarde ao comando da paz, mas saiu-se bem. Foi humilhado, passou vexame naquela mesa sinistra com seis metros, recebeu sobre a cabeça mísseis inesperados enquanto estava em Kiev, tive respeito pela sua humildade quando passeou pelas ruas da capital ucraniana. Graças à sua intervenção, foi possível criar as condições para que pelo menos uma centena de cativeiros de Azovstal tivessem alcançado a liberdade.  

         - Felizmente não deixei este oásis. Fiquei aqui o dia inteiro entregue aos mais diversos afazeres: revi dez páginas do romance, li vinte páginas do Rinpoche, trouxe para o terraço o lanceiro de mobiliário de Verão, avancei no livro de Eugénio Lisboa, li a excelente entrevista do meu querido amigo nonagenário Borges Coelho ao Diário de Notícias de ontem, anunciando a saída do sétimo volume da sua História de Portugal. Grande homem! Que saudades tenho eu dos nossos encontros frequentes!