sexta-feira, maio 27, 2022

Sexta, 27.

Como é meu hábito, nunca arrumo um livro que me absorveu semanas, dias, anos a ler. Tenho-o como amigo e um amigo não se abandona ou se descarta como um lenço de papel. É o caso do Aperto Libro – 1991-1994 de Eugénio Lisboa. A páginas 275, releio o meu sublinhado: “Mao foi um monstro – e era sacrilégio dizê-lo, nos anos 60 e 70. Se, de alguma coisa me orgulho, é de não ter precisado de chegar aos anos 70 para abominar toda esta cambada de marxistas leninistas e mais a puta que os pariu a todos. Chamar-se a esta merda ciência é de fazer um Newton dar uma volta no túmulo. Socialismo científico... Valha-nos os deuses todos do Olimpo!” Meu caro inconformista Eugénio Lisboa, aponho a minha assinatura por baixo. 

         - Ontem insisti em tirar a tensão à Piedade. Para isso fi-la sentar-se no cadeirão inglês, cheio de flores, de modo a que ficasse confortável. A seguir, ante a tensão de menina bem comportada (a africana foi, enfim, posta fora de casa pelo neto que se cansou do bem-bom noturno e o resultado está à vista), ela deixou-se ficar, os olhos muito abertos como se admirasse o salão pela primeira vez, e desabafou:  “Esta casa é muito bonita! Está-se aqui muito bem e o senhor tem muito gosto. O que diria a minha filha se a visse (a filha faleceu num acidente de trânsito e em vida tinha o hábito de vir com a mãe limpar a pequena construção original porque achava que nela se respirava paz). “Mas como vê aqui não há nada de luxo, só livros.” “Pois, é essa a sua vida. Não sei como tem cabeça para tanto.”

         - Logo de manhã cedo, antes de a brasa descer sobre a terra, estive com a roçadora a destruir o capim do jardim, deixando, enfim, o espaço limpo. Uma olhada às árvores, deixou-me feliz: as figueiras exibem já alguns figos com certa dimensão, os damasqueiros estão a tomar cor, as amendoeiras têm ramos derreados de amêndoa, as ameixieiras idem, idem... Assim começa a melhor época do ano, com diversidade de frutos. No domingo vou começar a preparar a piscina, esperando mergulhar no início do próximo mês. Mas se a conta da luz for excessiva como nos prometem os gananciosos (o sector, segundo o relatório da Oxfam, teve 20 milhões de dólares por dia de lucro nos dois últimos anos), fecho a torneira aos gulosos que, desumanos e indiferentes às tragédias de milhões, obstinam-se na riqueza como elemento de identidade e supremacia sobre os de mais.