terça-feira, outubro 27, 2020

Terça, 27.

No comboio que me trouxe de regresso a casa, sentou-se uma freira africana. Antes porém, retirou da mala de mão um frasco e desatou a pulverizar o banco, o vidro da janela, a grelha do ar, depois a viseira e por fim o smartphone e os fones. Refastelou-se a seguir no assento, colocou a viseira sobre a máscara, pôs os auriculares e voou até às alturas celestiais. Mas quando lá chegou o Senhor (isto imagino eu), vendo aquela irmã moderna, ordenou-lhe que se aligeirasse daquela parafernália consumista e a atirasse para a terra onde algum furibundo da sociedade de consumo a aproveitasse. Só então, alijada dos bens inúteis, foi ela autorizada a entrar. 

         - Há novas normas governamentais para o próximo fim-de-semana dia dos mortos. O Governo, prevendo que sob a protecção dos falecidos o pessoal quisesse meter mini-férias, instituiu confinamentos concelhios. Mas a trapalhada, o teor das interdições é tal, que, como hábito, a norma com tantos buracos, dá para todas as interpretações e... facilidades. Definitivamente, Costa não acerta uma. Não aprendeu nada com a primeira vaga e com a segunda, e quando vier a terceira e a quarta, já milhares e milhares de portugueses estarão mortos. 

         - Esta manhã, na tertúlia da Brasileira, levantou-se o tema das reformas vs até quando. Eu já aqui reflecti sobre o assunto e continuo a pensar que deve haver uma grande alteração na atribuição das mesmas. Aquela de o cônjuge falecido dever ficar com uma parte da aposentação do outro, parece-me um insulto àqueles que têm reformas de 200 e 300 euros mensais. Devia-se acabar com essa benesse de quando as mulheres eram criadas exclusivas dos maridos, sem direito a trabalhar fora de casa e a ganhar a vida com as suas próprias mãos e inteligência. Hoje tanto ela como ele, auferem ordenados que sustentam a dignidade de qualquer um individualmente. Num país com dois milhões e meio de pobres, a par de aposentações milionárias, é um escândalo que só subsiste porque os políticos se estão nas tintas para a equidade e estão na política para defender os seus interesses. Lembro-me daquele boçal chamado Sarkosy, duas semanas depois de se instalar no Eliseu, aumentou o seu vencimento de Presidente da República para o dobro. Ou aquela figura tenebrosa que ocupou a presidência antes do actual, afirmar que 10 mil euros mensais de aposentação não chegavam para viver com decência. 

         - Ontem, a seguir ao almoço com os amigos franceses, regressando a casa, encontrei a Glória que de pronto me convidou a ir ver a irmã que havia chegado de Paris. “Venha que eu vou fazer crepes.” Acontece que eu adoro cremes e não resisti à tentação. Fui, portanto. A mesa estava montada no jardim debaixo do alpendre e à roda dela éramos seis convivas. Antes vim cá a casa colher um saco de tangeras que levei, sabendo de antemão que de lá não vinha sem qualquer coisa como é frequente - e assim aconteceu. Trouxe meia dúzia de ovos, metade do bolo de iogurte e uma tigela de marmelada. Esta troca de amabilidades, pertence à sociedade de antigamente, quando as pessoas eram civilizadas e o agradecimento se fazia pelo lado do afecto. Hoje, neste mundo de egoístas, toda a gente quer receber e em troca nem um obrigado dão.  

         - Dia feliz composto pelo equilíbrio que concede ao cérebro o epílogo com a fantasia.