Terça, 15.
Apesar de doentes, os meus indisciplináveis
amigos, quiseram ir a Cambrai e eu a Lille para um almoço com o Christian duas
vezes adiado. Entre as duas cidades temos uns setenta quilómetros e, por isso,
não tive dificuldade em os convencer a irmos juntos. Saímos cedo de Paris para chegarmos
a horas de eles tratarem dos assuntos que lhes diziam respeito. Eu avancei para
o Signe o meu velho café, eles para a propriedade familiar da Annie. Sentei-me
no lugar “Avenue du Champagne” tendo na frente quatro senhoras encostadas ao balcão
“comptoire de la bière”. Curiosamente nenhum homem. Nem mesmo a servir a
clientela feminina. Bom. Chuviscava, fazia frio. Enquanto saboreava o café, fui
jogando pensamentos pela montra para rua sem passantes. Como dispunha de apenas
uma hora, viajei com Erika Mann pela Alemanha ocupada pelos nazis (os
sublinhados e as notas que fui tomando no correr da leitura).
Ao meio-dia e trinta e sete minutos, batíamos à porta do meu velho amigo
que nos recebeu de braços abertos e um fogo de lenha estalando na lareira do
salão. De rompante, surgiu a política até porque eu à chegada, provocador,
perguntei: “Como está, senhor Mélenchon?” A provocação tinha razão de ser.
Christian, sendo comunista com responsabilidades políticas, foi secretário do
líder de esquerda o ano passado para os assuntos económicos. Este ano arrefeceu
porque não gostou do que disse dos comunistas o dirigente da Frente de
Esquerda. Bref. Despachados os
aperitivos diante da lareira, passámos à mesa. Uma espécie de cozido à
portuguesa que o nosso anfitrião nos serviu confeccionado por ele que estava de
estalo. A política não nos largou. Aqui como por todo o lado onde estive, os
franceses perguntam uns aos outro em quem vão votar. Andam todos perdidos,
desiludidos com os políticos, descrentes da União Europeia. Eu aproveitei a
deixa, e maldisse da má sorte que nos coube com a entrada dos socialistas em
cena. Christian que anda a par do que em Portugal se passa, deu-me razão. A
Annie, socialista ferrenha e tirânica, apesar de ter deixado o Partido,
contra-argumentava. Foi então que ouvi da boca do dirigente comunista dizer que
estava de acordo comigo quando afirmo que prefiro a direita porque não nos
engana, à esquerda que se passa por algo que não é. “Na primeira volta votarei
Juppé, mas à segunda prefiro a direita, farto como estou de vigarices” disse o
meu camarada. Annie ia-o comendo. Os ânimos ficaram tão exaltados, que só o
Robert que é a calma em pessoa apaziguou.
- Deixámos a minha amiga que está muito limitada à lareira, e fomos dar
uma volta pelo centro antigo da cidade. O Christian, como engenheiro, esteve na
origem da construção do metro e conhece como ninguém o desenvolvimento
urbanístico da cidade. É, portanto, o melhor cicerone para satisfazer o meu
antigo desejo de conhecer ao pormenor o centro histórico. Fazia um frio de
rachar e por momentos deixámos de sentir o nariz, as orelhas e até o polo sul
encolheu... dando azo a que frequentes vezes entrássemos em espaços aquecidos. O
passeio durou duas horas, percorrido a penates sob a impressão de assistirmos a
um espectáculo teatral - tal o efeito que o conjunto me provocou. Praças amplas,
florescentes, cercadas de construções do século XIX, ruas e casario medieval, a
catedral no interior do século XIX enquanto a fachada (inacabada?) parece ser
betão. Por todo o lado, juventude a rodos ou não fosse Lille um foco
universitário de superior importância. A população é desde tempos remotos
amante de teatro e os alemães, durante a primeira guerra, construíram o
monumental teatro que se ergue na Grand Place. Caía a noite quando regressámos
a casa. Carole tinha entrado do trabalho e fazia companhia à Annie. Um chá
quente repôs-nos as energias para o retorno à capital onde os filhos do casal
estudam.
Grand Place |
Teatro da ópera e torre do Comércio e da Indústria |
Cortei o meu amigo a meio |
- Emmanuel Macron é mais um ganancioso que pretende o poleiro. É, digamos assim porque é rigolo, a direita da esquerda socialista. Destes tipos espera-se tudo. Acaba de fazer um excelente favor a Marine Le Pen, mas isso pouco lhe importa.