terça-feira, novembro 15, 2016

Terça, 15.
Apesar de doentes, os meus indisciplináveis amigos, quiseram ir a Cambrai e eu a Lille para um almoço com o Christian duas vezes adiado. Entre as duas cidades temos uns setenta quilómetros e, por isso, não tive dificuldade em os convencer a irmos juntos. Saímos cedo de Paris para chegarmos a horas de eles tratarem dos assuntos que lhes diziam respeito. Eu avancei para o Signe o meu velho café, eles para a propriedade familiar da Annie. Sentei-me no lugar “Avenue du Champagne” tendo na frente quatro senhoras encostadas ao balcão “comptoire de la bière”. Curiosamente nenhum homem. Nem mesmo a servir a clientela feminina. Bom. Chuviscava, fazia frio. Enquanto saboreava o café, fui jogando pensamentos pela montra para rua sem passantes. Como dispunha de apenas uma hora, viajei com Erika Mann pela Alemanha ocupada pelos nazis (os sublinhados e as notas que fui tomando no correr da leitura).

         Ao meio-dia e trinta e sete minutos, batíamos à porta do meu velho amigo que nos recebeu de braços abertos e um fogo de lenha estalando na lareira do salão. De rompante, surgiu a política até porque eu à chegada, provocador, perguntei: “Como está, senhor Mélenchon?” A provocação tinha razão de ser. Christian, sendo comunista com responsabilidades políticas, foi secretário do líder de esquerda o ano passado para os assuntos económicos. Este ano arrefeceu porque não gostou do que disse dos comunistas o dirigente da Frente de Esquerda. Bref. Despachados os aperitivos diante da lareira, passámos à mesa. Uma espécie de cozido à portuguesa que o nosso anfitrião nos serviu confeccionado por ele que estava de estalo. A política não nos largou. Aqui como por todo o lado onde estive, os franceses perguntam uns aos outro em quem vão votar. Andam todos perdidos, desiludidos com os políticos, descrentes da União Europeia. Eu aproveitei a deixa, e maldisse da má sorte que nos coube com a entrada dos socialistas em cena. Christian que anda a par do que em Portugal se passa, deu-me razão. A Annie, socialista ferrenha e tirânica, apesar de ter deixado o Partido, contra-argumentava. Foi então que ouvi da boca do dirigente comunista dizer que estava de acordo comigo quando afirmo que prefiro a direita porque não nos engana, à esquerda que se passa por algo que não é. “Na primeira volta votarei Juppé, mas à segunda prefiro a direita, farto como estou de vigarices” disse o meu camarada. Annie ia-o comendo. Os ânimos ficaram tão exaltados, que só o Robert que é a calma em pessoa apaziguou.   

         - Deixámos a minha amiga que está muito limitada à lareira, e fomos dar uma volta pelo centro antigo da cidade. O Christian, como engenheiro, esteve na origem da construção do metro e conhece como ninguém o desenvolvimento urbanístico da cidade. É, portanto, o melhor cicerone para satisfazer o meu antigo desejo de conhecer ao pormenor o centro histórico. Fazia um frio de rachar e por momentos deixámos de sentir o nariz, as orelhas e até o polo sul encolheu... dando azo a que frequentes vezes entrássemos em espaços aquecidos. O passeio durou duas horas, percorrido a penates sob a impressão de assistirmos a um espectáculo teatral - tal o efeito que o conjunto me provocou. Praças amplas, florescentes, cercadas de construções do século XIX, ruas e casario medieval, a catedral no interior do século XIX enquanto a fachada (inacabada?) parece ser betão. Por todo o lado, juventude a rodos ou não fosse Lille um foco universitário de superior importância. A população é desde tempos remotos amante de teatro e os alemães, durante a primeira guerra, construíram o monumental teatro que se ergue na Grand Place. Caía a noite quando regressámos a casa. Carole tinha entrado do trabalho e fazia companhia à Annie. Um chá quente repôs-nos as energias para o retorno à capital onde os filhos do casal estudam.   
Grand Place
Teatro da ópera e torre do Comércio e da Indústria 
Cortei o meu amigo a meio
       








        
         - Emmanuel Macron é mais um ganancioso que pretende o poleiro. É, digamos assim porque é rigolo, a direita da esquerda socialista. Destes tipos espera-se tudo. Acaba de fazer um excelente favor a Marine Le Pen, mas isso pouco lhe importa.