Quinta, 17.
Uma melancólica ronda pelo bairro Les
Halles, hoje um gigantesco estaleiro, deixou-me perturbado. Conheci a zona
quando era um lugar de classe média, um mercado a céu aberto, um espaço de
convívio e memória. Atravessando as obras monumentais que estão por todo o
lado, desembarquei num imenso centro comercial que possui saídas para
diferentes zonas da cidade. Vagueando sem destino, fui dar à igreja de Saint-Eustache.
Cansado de caminhar, entrei para um curto repouso. Não havia vivalma no
interior, enquanto o exterior regurgitava de gente. No silêncio puro da nave
central, mergulhei na opacidade do tempo, levitei na espessura beatifica que
pairava no ar. Não posso dizer da duração em que estive ausente de mim. Curiosamente,
a dada altura, achei-me a salmodiar uma prece por Gabriel Garcia Marques que um
filme belíssimo passado em Paris, anunciava a sua despedida deste mundo e onde
aquela igreja aparece como morada. Depois fui rememorar quem nela na realidade
está sepultado: Colbert; quem nela foi
batizado: Molière em 1622, Rochelieu, em 1585, Madame de Pompadour, em 1721. À
saída quase ceguei devido ao impacto com o sol. Fui caminhando até à Rue Les
Lavandières-des-Sainte-Opportume onde avistei este curioso reclame: um casal
jovem, ele para ela: Un jour, je
téléguiderai un nuage pour arroser mon potager. Oh, por quem sois!
- Chegados a Portugal somos literalmente fulminados pelo futebol que aqui
tem a expressão de uma doença ou carraça. Enquanto em França ele ocupa – quando
ocupa – três minutos no final dos noticiários, por cá abre telejornais,
demora-se na baixa intriga ou na aberração do seu mundo. Outro dia o Canard Enchainé, prefaciando François
Hollande, dizia que os jogadores de futebol não passam de idiotas. Eu não vou
tão longe. Acho os jogadores uns pobres coitados e muitas vezes vítimas da
máquina infernal que os rodeia. Sendo os principais intervenientes no negócio,
são também os mais ludibriados por aqueles que se encostam e exploram uma
actividade que há muito deixou de ser desportiva no bom e salutar sentido do
termo.
Outro tema que já andava salmodiado quando há um mês deixei Lisboa, era
a lengalenga da fortuna dos novos gestores da CGD. Pois, por muito bizarro que
seja, é ainda nisto que a informação faz correr rios de tinta e palavreado. Os
grandes técnicos da finança de reconhecimento mundial, portugueses de gema, recusam
apresentar a folha dos seus bens. Não se percebe porquê obrigados que estão
pela lei. Ou antes, percebe-se. Nunca numa só geração esta gente enriqueceu
tanto como após o 25 de Abril e a instauração do euro. Para eles terem medo de
apresentar a declaração a que estão obrigados, é porque num pobre país de gente
indigente e triste, há uns quantos, políticos e gestores, que atingiram o patamar
milionário só possível em tão curto espaço de tempo, porque uma multidão de
escravos explorados e mal pagos, com reformas inferiores a 200 euros votam em
suas altezas ou trabalham para os iluminados da banca e organismos públicos. Se
o dinheiro é ganho com honra, trabalho e honestidade, não há que ter medo de
ser rico. Quando muito, atendendo a pobreza nacional, há que ter vergonha de ver
milhares de concidadãos na miséria.
- Apressei-me a encontrar-me com o Guilherme a quem pedi novas da
monografia de que me ocupei há dois meses. Passámos de seguida na Brasileira
para abraçar os nossos amigos comuns que me puseram a par do que de relevante
aconteceu na minha ausência, quero dizer, nada. Fui eu, pelo contrário, que
lhes falei das exposições a decorrer em Paris e eles retorquiram-me com um
documentário apimentado post-morten
de Mário de Cesariny que passou na 2. Mas o que me comoveu, foi a preocupação
de Virgílio quando me disse: “Espero que tenhas ido com um sobretudo para
Paris! Lá faz muito frio!” Que sensibilidade! Que ternura! Que educação! Fiz um
esforço para conter a emoção.
- Tenho de voltar a explicar-me dada a quantidade de leitores a pedir-me,
através de sistemas que nem conheço (fiquei-me pelo Facbook e Twitter), amizade.
O seu número aumentou muito nestes últimos tempos vá-se lá saber porquê. Que me
desculpem. Não quero parecer arrogante, selectivo, indiferente àquelas e
aqueles que me convidam para o seu convívio. Simplesmente, tenho a amizade como
algo de uma grandeza e importância, que não passa pelos haréns de amigos virtuais
em que uns querem parecer aquilo que não são; outros adquirir a importância que
não lhes é devida, exibem nomes sonantes nas suas páginas sem nunca os terem
visto pessoalmente ou lido as suas obras. Acresce que não sou nenhuma vedeta
nem “figura pública”, e tenho muito trabalho não podendo dispersar-me em
múltiplos contactos e auditórios Mas quando me põem uma questão ou pretendem
que esclareça um pormenor do meu pensamento, acorro imediatamente com vivo
prazer.