quinta-feira, novembro 17, 2016

Quinta, 17.
Uma melancólica ronda pelo bairro Les Halles, hoje um gigantesco estaleiro, deixou-me perturbado. Conheci a zona quando era um lugar de classe média, um mercado a céu aberto, um espaço de convívio e memória. Atravessando as obras monumentais que estão por todo o lado, desembarquei num imenso centro comercial que possui saídas para diferentes zonas da cidade. Vagueando sem destino, fui dar à igreja de Saint-Eustache. Cansado de caminhar, entrei para um curto repouso. Não havia vivalma no interior, enquanto o exterior regurgitava de gente. No silêncio puro da nave central, mergulhei na opacidade do tempo, levitei na espessura beatifica que pairava no ar. Não posso dizer da duração em que estive ausente de mim. Curiosamente, a dada altura, achei-me a salmodiar uma prece por Gabriel Garcia Marques que um filme belíssimo passado em Paris, anunciava a sua despedida deste mundo e onde aquela igreja aparece como morada. Depois fui rememorar quem nela na realidade está sepultado: Colbert;  quem nela foi batizado: Molière em 1622, Rochelieu, em 1585, Madame de Pompadour, em 1721. À saída quase ceguei devido ao impacto com o sol. Fui caminhando até à Rue Les Lavandières-des-Sainte-Opportume onde avistei este curioso reclame: um casal jovem, ele para ela: Un jour, je téléguiderai un nuage pour arroser mon potager. Oh, por quem sois!

         - Chegados a Portugal somos literalmente fulminados pelo futebol que aqui tem a expressão de uma doença ou carraça. Enquanto em França ele ocupa – quando ocupa – três minutos no final dos noticiários, por cá abre telejornais, demora-se na baixa intriga ou na aberração do seu mundo. Outro dia o Canard Enchainé, prefaciando François Hollande, dizia que os jogadores de futebol não passam de idiotas. Eu não vou tão longe. Acho os jogadores uns pobres coitados e muitas vezes vítimas da máquina infernal que os rodeia. Sendo os principais intervenientes no negócio, são também os mais ludibriados por aqueles que se encostam e exploram uma actividade que há muito deixou de ser desportiva no bom e salutar sentido do termo.

          Outro tema que já andava salmodiado quando há um mês deixei Lisboa, era a lengalenga da fortuna dos novos gestores da CGD. Pois, por muito bizarro que seja, é ainda nisto que a informação faz correr rios de tinta e palavreado. Os grandes técnicos da finança de reconhecimento mundial, portugueses de gema, recusam apresentar a folha dos seus bens. Não se percebe porquê obrigados que estão pela lei. Ou antes, percebe-se. Nunca numa só geração esta gente enriqueceu tanto como após o 25 de Abril e a instauração do euro. Para eles terem medo de apresentar a declaração a que estão obrigados, é porque num pobre país de gente indigente e triste, há uns quantos, políticos e gestores, que atingiram o patamar milionário só possível em tão curto espaço de tempo, porque uma multidão de escravos explorados e mal pagos, com reformas inferiores a 200 euros votam em suas altezas ou trabalham para os iluminados da banca e organismos públicos. Se o dinheiro é ganho com honra, trabalho e honestidade, não há que ter medo de ser rico. Quando muito, atendendo a pobreza nacional, há que ter vergonha de ver milhares de concidadãos na miséria.    

         - Apressei-me a encontrar-me com o Guilherme a quem pedi novas da monografia de que me ocupei há dois meses. Passámos de seguida na Brasileira para abraçar os nossos amigos comuns que me puseram a par do que de relevante aconteceu na minha ausência, quero dizer, nada. Fui eu, pelo contrário, que lhes falei das exposições a decorrer em Paris e eles retorquiram-me com um documentário apimentado post-morten de Mário de Cesariny que passou na 2. Mas o que me comoveu, foi a preocupação de Virgílio quando me disse: “Espero que tenhas ido com um sobretudo para Paris! Lá faz muito frio!” Que sensibilidade! Que ternura! Que educação! Fiz um esforço para conter a emoção.


         - Tenho de voltar a explicar-me dada a quantidade de leitores a pedir-me, através de sistemas que nem conheço (fiquei-me pelo Facbook e Twitter), amizade. O seu número aumentou muito nestes últimos tempos vá-se lá saber porquê. Que me desculpem. Não quero parecer arrogante, selectivo, indiferente àquelas e aqueles que me convidam para o seu convívio. Simplesmente, tenho a amizade como algo de uma grandeza e importância, que não passa pelos haréns de amigos virtuais em que uns querem parecer aquilo que não são; outros adquirir a importância que não lhes é devida, exibem nomes sonantes nas suas páginas sem nunca os terem visto pessoalmente ou lido as suas obras. Acresce que não sou nenhuma vedeta nem “figura pública”, e tenho muito trabalho não podendo dispersar-me em múltiplos contactos e auditórios Mas quando me põem uma questão ou pretendem que esclareça um pormenor do meu pensamento, acorro imediatamente com vivo prazer.