Domingo, 6.
As trezentas e cinquenta páginas do
romance de Erika Mann que findei ontem à noite, são um verdadeiro deslumbre. Que
prazer e com que paixão as devorei! Nunca tinha lido nada dela a não ser no início deste ano o grosso volume que ela escreveu com o irmão, Fuir pour vivre. Este seu belo título, Quand les lumières s´éteignent, é uma construção literária muito
interessante porque em verdade trata-se de um documento narrativo da instalação
do nazismo e da sua hedionda expansão. Cada capítulo encerra uma estação
dolorosa como as que Jesus Cristo viveu. Partindo da ideia de que a aldeia ou a
pequena cidade eram antes da chegada de Hitler lugares de convívio,
solidariedade e tradição, Erika Mann desdobra cada história-documento,
baseando-a em factos reais e, julgo, até em pessoas concretas. Os planos
narrativos fecham-se quase sempre com a tortura, a morte ou a prisão das suas
personagens. A linguagem, a tradução para o francês é clara, como decerto o
original, porque os manos Mann tiveram desde a primeira hora um lúcido e
sentido olhar quanto ao destino da Europa e do mundo e combateram como soldados
destemidos a sua implantação. Dois seres frágeis, inspirados pela democracia
nascida com a República de Weimar e pelo humanismo que ensaiava os primeiros
recuos, compreenderam que a política há muito deixara de ser aquilo que
sucessivas gerações construíram, para se tornar numa engrenagem trituradora de mentiras
propaladas em nome do povo. O que conta a escritora, não é uma historiazinha de
embalar, é o testemunho de um tempo de sombra, sangue, suor e lágrimas. E se
alguém pensa que um tal período sinistro nunca mais acontecerá, tire daí o
sentido e faça de cada dia uma sentinela apetrechada de substância critica e
combate contra os corruptos, os mentirosos, os oportunistas e os que em nome do
povo constroem as armas destruidoras do progresso feliz e harmonioso.
- Tenho de me despachar. Daqui a nada vamos de visita à casa-atelier de
Rodin que dista daqui três quartos de hora de viagem.