sexta-feira, novembro 20, 2015

Sexta, 20.
A polícia rejubila e os franceses respiram de alívio: o simpático e sorridente Abdelhamid Abaaoud, foi mesmo liquidado no prédio em ruína anteontem tomado de assalto. Que dizer? Como estou sem palavras, convoco William Blake: Le gémissement du malheureux soldat saigne sur les murs des palais.

         - Outro dia, na creperie L´Etang d´Art, enquanto Robert foi ao carro buscar a Annie, tendo-me sentado na única mesa vaga, encontrei na imundice em que os anteriores clientes a deixaram, um smartpfone da Apple que devia valer mais de mil euros. Apressei-me a entregá-lo à proprietária que o guardou na gaveta do balcão. Quando os meus amigos chegaram, já a mesa estava limpa e eu contei-lhes o que tinha achado. Robert confirmou o valor. Um tempo depois, com efeito, entrou espavorido na sala um rapaz de perto de dois metros de altura que se dirigiu ao balcão solicitando o que lhe pertencia. De longe observamos o rápido diálogo, o cliente aponta na direcção da mesa onde estamos sentados, desiludido. É então que eu o chamo e lhe pergunto se vem pelo portátil. Ante a confirmação, digo-lhe que o encontrei quando me sentei e o confiei à dona do estabelecimento. Esta, sem poder escapar à evidência, devolve o que não lhe pertence, atirando o aparelho ao seu legítimo dono. Este enfia-o no bolso e desaparece. Comentário da Annie: “Ele podia ao menos ter-te agradecido a honestidade.” Respondi-lhe: “Era minha obrigação e desta gente rasca, educada na abundância não espero nada. Os próprios objectos com que se empanzinam, são as linhas de conduta que os definem.”  

         - Esta noite viajei por Espanha. Atravessei a Andaluzia e desembarquei em Alhambra repetindo o percurso que fiz no início deste ano com o Carlos Rodrigues. Que veio fazer esta invasão ao meu sono? Mistério. Talvez trazer-me um toque de liberdade absoluta, num momento em que esta parece estar ameaçada pelo radicalismo daqueles que põem na religião o fardo das suas loucuras e ambições. Seja como for, tive uma noite deliciosa, passada pelo crivo da amizade, das refeições prazenteiras à borda da estrada, dos hotéis simples e cómodos onde pernoitámos, dos locais com história que visitámos sem pressa, dos dias agradáveis beijados pelas manhãs acetinadas pela geada, dos passeios pedestre em volta do hotel, quando a noite fria e crua banhava as muralhas da Medina adormecida, seguida da aurora ainda o dia não florescia no horizonte. E de súbito o sms do Robert dando-me conta dos atentados que ocorreram horas antes no jornal Charlie Hebdo. O frio que senti atravessar o meu corpo, a estupefacção, a interrogação... Amenizados, todavia, horas depois ante a beleza de Alhambra quase deserta, visitada com vagar e voluptuosidade, a mesma ali vivida por sultões e concubinas, protegidos pelos muros altos de verdura, o silêncio das noites cobertas pela pele dos corpos enfurecidos, pelo amor aromatizado dos segredos mordidos ao ouvido, dos suspiros lânguidos quando as rosas dos canteiros em volta expelem o derradeiro gemido, descido pétala a pétala sobre os corpos esvaídos de loucura e prazer...
Pátio do Leões 




Muros de verdura acesso aos palácios
Os grandes lagos e jardins
- Tenho recebido alguns emails que me reconfortam, mas o que me enviou ontem a leitora e amiga Maria de Lurdes, pela simplicidade e espontaneidade - que traduzi, de resto, aos meus amigos -, mostra o que resiste de melhor no coração português: "Helder venha embora. Traga os seus amigos para Azeitão, para a sua belíssima quinta. Benjinhos e bom regresso.Dois pormenores : a quinta fica em Palmela e é simples como quem nela vive .