Quarta, 18.
8,35 da manhã. Desta vez estamos no
centro do vulcão. A noite passada fomos sacudidos por explosões e tiroteio.
Soubemos esta manhã que uma mulher se fez explodir aqui perto. Estamos
impedidos de sair, o metro não funciona como, de resto, nenhum outro transporte.
O ruído das sirenes é ensurdecedor. Não sei quantos feridos houve, mas
Saint-Denis está em estado de sítio. Desde as seis da manhã que o telefone não
pára de tocar. A Laure que habita no prédio situado na praça do mercado onde
tudo aconteceu, traz a mãe em sobressalto. Telefonámos à polícia porque se
detectou que nestes últimos dias um grupo de rapazes traficava no terraço do
imóvel. Num dos andares vive um árabe suspeito. Fomos informados que os agentes
vão sobrevoar o dito terraço por helicóptero. Ao que tudo indica, o cérebro dos
atentados, está aqui perto e é procurado pela polícia que actua de uma forma
nervosa. O rapaz chama-se Abdelhamid Abaaoud.
- 11,45 foi levantada a principal operação no centro de Saint-Denis.
Contrariamente ao que se pensava, o operacional dos atentados de sexta-feira
não foi capturado. Morreram dois terroristas, uma kamikaze e vários polícias ficaram
feridos. Conseguimos, Annie eu, ir ao Carrefour fazer compras imprescindíveis.
Dentro do super, agentes armados revistaram-nos e a todos os que entravam. Um
clima indiscritível de suspeição paira por todo o lado. Todo o mundo teme o
parceiro do lado, o outro que passa por perto. A polícia continua a pedir que
não saiamos de casa. A vida contudo, apresenta-se incompatível com as ordens
policiais. No íntimo, todos sabemos que a nossa hora chegará a qualquer minuto
da nossa longa ou curta existência. Esvoaça no ar novo atentado, desta vez no
bairro da Défense, no coração de Paris.
- 18,52. Entrei de uma ida ao centro de Saint-Denis onde fomos, Annie,
Robert e eu, levar apoio à Laure que, só, se manteve reclusa no seu
apartamento. Aparentemente não a vimos traumatizada pela simples razão que o
seu mundo sobrepõem-se a este nosso infinitamente mais desumano do que aquele
onde ela vive. Desci depois com o Robert para uma volta. Impressionante o
espectáculo do espectáculo das parabólicas, carrinhas de exterior, câmaras,
operadores, quantidade de metros de cabos, fios, pessoal às centenas, ocupando
todo o recinto em frente à basílica, Rua da República, falando todas as línguas
que se falam no mundo, entrevistando quem passava, quem chegava. A meio da rua
principal que atravessa o velho centro que parte da basílica, encontrámos
dezenas de agentes, carros bloqueando a passagem. É para lá do meio da célebre
artéria que o principal teve lugar e os traços dos crimes têm de ser
analisados, estudados, comparados. Pouca gente ao contrário do que é habitual,
onde a animação de povos enche de cor ruas e praças. A noite estava por todo o
lado, o que tornava o cenário ainda mais sinistro. Algumas esplanadas ofereciam
já o aspecto normal, com clientes a tomar calmamente o que encomendavam aos
empregados de mesa. O clima não é, contudo, o que conhecemos. Perdura uma certa
contenção, uma travagem do quotidiano, uma contracção cardíaca. Só a fachada da
catedral se nos oferece bela, majestática, desafiando a loucura dos homens.