quarta-feira, novembro 18, 2015

Quarta, 18.
8,35 da manhã. Desta vez estamos no centro do vulcão. A noite passada fomos sacudidos por explosões e tiroteio. Soubemos esta manhã que uma mulher se fez explodir aqui perto. Estamos impedidos de sair, o metro não funciona como, de resto, nenhum outro transporte. O ruído das sirenes é ensurdecedor. Não sei quantos feridos houve, mas Saint-Denis está em estado de sítio. Desde as seis da manhã que o telefone não pára de tocar. A Laure que habita no prédio situado na praça do mercado onde tudo aconteceu, traz a mãe em sobressalto. Telefonámos à polícia porque se detectou que nestes últimos dias um grupo de rapazes traficava no terraço do imóvel. Num dos andares vive um árabe suspeito. Fomos informados que os agentes vão sobrevoar o dito terraço por helicóptero. Ao que tudo indica, o cérebro dos atentados, está aqui perto e é procurado pela polícia que actua de uma forma nervosa. O rapaz chama-se Abdelhamid Abaaoud.

          - 11,45 foi levantada a principal operação no centro de Saint-Denis. Contrariamente ao que se pensava, o operacional dos atentados de sexta-feira não foi capturado. Morreram dois terroristas, uma kamikaze e vários polícias ficaram feridos. Conseguimos, Annie eu, ir ao Carrefour fazer compras imprescindíveis. Dentro do super, agentes armados revistaram-nos e a todos os que entravam. Um clima indiscritível de suspeição paira por todo o lado. Todo o mundo teme o parceiro do lado, o outro que passa por perto. A polícia continua a pedir que não saiamos de casa. A vida contudo, apresenta-se incompatível com as ordens policiais. No íntimo, todos sabemos que a nossa hora chegará a qualquer minuto da nossa longa ou curta existência. Esvoaça no ar novo atentado, desta vez no bairro da Défense, no coração de Paris.  
        

         - 18,52. Entrei de uma ida ao centro de Saint-Denis onde fomos, Annie, Robert e eu, levar apoio à Laure que, só, se manteve reclusa no seu apartamento. Aparentemente não a vimos traumatizada pela simples razão que o seu mundo sobrepõem-se a este nosso infinitamente mais desumano do que aquele onde ela vive. Desci depois com o Robert para uma volta. Impressionante o espectáculo do espectáculo das parabólicas, carrinhas de exterior, câmaras, operadores, quantidade de metros de cabos, fios, pessoal às centenas, ocupando todo o recinto em frente à basílica, Rua da República, falando todas as línguas que se falam no mundo, entrevistando quem passava, quem chegava. A meio da rua principal que atravessa o velho centro que parte da basílica, encontrámos dezenas de agentes, carros bloqueando a passagem. É para lá do meio da célebre artéria que o principal teve lugar e os traços dos crimes têm de ser analisados, estudados, comparados. Pouca gente ao contrário do que é habitual, onde a animação de povos enche de cor ruas e praças. A noite estava por todo o lado, o que tornava o cenário ainda mais sinistro. Algumas esplanadas ofereciam já o aspecto normal, com clientes a tomar calmamente o que encomendavam aos empregados de mesa. O clima não é, contudo, o que conhecemos. Perdura uma certa contenção, uma travagem do quotidiano, uma contracção cardíaca. Só a fachada da catedral se nos oferece bela, majestática, desafiando a loucura dos homens.