segunda-feira, novembro 09, 2015

Segunda, 9.
Sábado depois da exposição do Francis no centro de turismo, fomos de abalada, Robert e eu,  até Saint-Germain-en-Laye a trinta e poucos quilómetros de Paris, para conhecer a obra do eminente pintor, ceramista, escultor Maurice Denis (1870-1943). O sítio por si só é uma maravilha de harmonia e serenidade, com suas velhas casas apalaçadas, seu arvoredo denso, suas ruas que sobem e descem amparadas pela história que marca cada marco da pequena vila equidistante de Versailles. Em 1910 Maurice Denis adquire o antigo hospital para se instalar e fazer do enorme edifício a sua residência e sobretudo o seu atelier, hoje museu. Depressa os amigos se juntam e permanecem por semanas e meses. O maior de todos, Paul Gauguin, vai exercer uma salutar influência sobre o artista e, igualmente, sobre a geração dos artistas ditos “Nabis” (anunciadores) assim como Paul Sérusier, George Lacombe, Pierre Bonard, Piet Mondrian, alguns mais, vindos da escola Pont-Aven. Todos juntos, num espaço maravilhoso cercado por um jardim hoje um pouco abandonado, vão dar largas a criatividade e fazer azulejaria, escultura, pintura... O museu testemunha essa actividade incessante e nele se expõem quadros e peças de arte de todos quantos por lá passaram. As experiências levadas a cabo por Maurice Denis, estão nas paredes de um edifício à escala humana onde apetece ficar por horas a contemplar os quadros que nos transmitem a vida serena de outros tempos, paisagens, intimidades, espaços místicos, a par dos retratos da mulher do pintor e de outros amigos. Antoine Bourdelle cujo museu eu visitei há dois anos no centro de Paris, também visita da casa, tem esculturas no jardim e no interior. Mas o que mais apreciei e me comoveu, foi a capela. Maurice Denis foi um homem crente e deixou testemunho disso numa obra ímpar só comparada com o que fizeram os grandes artistas da Renascença. Vitrais, telas, paredes, mobiliário, fechados numa atmosfera íntima, por onde a luz vagueia entre o altar e a assembleia, imprimindo ao espaço aquela intimidade propícia à oração, ao recolhimento, à recordação da vida de Jesus em quadros de um impressionismo tocante.

Cenas da vida de Jesus do altar-mor da capela - Maurice Denis                                                             

Centauro de Antoine Bourdelle  

         - Almocei ontem com Francis. Duas horas divertidas, cheias de anedotas, risada, entradas na vida dupla dos protagonistas da comédia política francesa que ele conhece de ginjeira, porque com todos convive e a todos trata por igual. Comunista, anarquista, monárquico (olá, olé!), dá-se com todos os quadrantes partidários e a sua grande cultura alicerçada nos relacionamentos à direita e à esquerda, permiti-lhe esbanjar conversação por horas a fio. Trabalhou com De Gaulle e à mesa leu-me dois discursos tirados das Memórias do grande homem que possui dedicadas e autografadas. Nessas páginas, emitidas de Londres, em 1942!, Charles De Gaulle, visionário, anteviu o que iria acontecer após a Grande Guerra à então URSS e dá do criminoso Estaline um retrato preciso que a história mais tarde confirmou. E, claro, não deixámos de falar de Napoleão III sua grande paixão. Antes de abandonar o seu apartamento sobre o canal, ofereceu-me um serviço de chá em cristal da Boémia, que lhe havia sido ofertado por Václav Havel. Uma personagem, este Francis!

         - Ontem e hoje tempo admirável, sol radioso, temperaturas quase de Verão, o que para os parisienses é uma bênção e disso falam nas ruas, cafés e transportes públicos. De facto, nesta época, não me lembro de um Outono tão ameno.  


         - Esta palavra que me chegou de madrugada ao acordar vinda do fundo da noite e que eu nunca empreguei: Vagalumes!