Segunda, 9.
Sábado depois da exposição do Francis no
centro de turismo, fomos de abalada, Robert e eu, até Saint-Germain-en-Laye a trinta e poucos
quilómetros de Paris, para conhecer a obra do eminente pintor, ceramista,
escultor Maurice Denis (1870-1943). O sítio por si só é uma maravilha de harmonia
e serenidade, com suas velhas casas apalaçadas, seu arvoredo denso, suas ruas
que sobem e descem amparadas pela história que marca cada marco da pequena vila
equidistante de Versailles. Em 1910 Maurice Denis adquire o antigo hospital
para se instalar e fazer do enorme edifício a sua residência e sobretudo o seu
atelier, hoje museu. Depressa os amigos se juntam e permanecem por semanas e
meses. O maior de todos, Paul Gauguin, vai exercer uma salutar influência sobre
o artista e, igualmente, sobre a geração dos artistas ditos “Nabis” (anunciadores)
assim como Paul Sérusier, George Lacombe, Pierre Bonard, Piet Mondrian, alguns
mais, vindos da escola Pont-Aven. Todos juntos, num espaço maravilhoso cercado
por um jardim hoje um pouco abandonado, vão dar largas a criatividade e fazer
azulejaria, escultura, pintura... O museu testemunha essa actividade incessante
e nele se expõem quadros e peças de arte de todos quantos por lá passaram. As
experiências levadas a cabo por Maurice Denis, estão nas paredes de um edifício
à escala humana onde apetece ficar por horas a contemplar os quadros que nos
transmitem a vida serena de outros tempos, paisagens, intimidades, espaços místicos,
a par dos retratos da mulher do pintor e de outros amigos. Antoine Bourdelle
cujo museu eu visitei há dois anos no centro de Paris, também visita da casa,
tem esculturas no jardim e no interior. Mas o que mais apreciei e me comoveu,
foi a capela. Maurice Denis foi um homem crente e deixou testemunho disso numa
obra ímpar só comparada com o que fizeram os grandes artistas da Renascença. Vitrais,
telas, paredes, mobiliário, fechados numa atmosfera íntima, por onde a luz
vagueia entre o altar e a assembleia, imprimindo ao espaço aquela intimidade
propícia à oração, ao recolhimento, à recordação da vida de Jesus em quadros de
um impressionismo tocante.
Cenas da vida de Jesus do altar-mor da capela - Maurice Denis |
Centauro de Antoine Bourdelle |
- Almocei ontem com Francis. Duas horas divertidas, cheias de anedotas, risada,
entradas na vida dupla dos protagonistas da comédia política francesa que ele
conhece de ginjeira, porque com todos convive e a todos trata por igual. Comunista,
anarquista, monárquico (olá, olé!), dá-se com todos os quadrantes partidários e
a sua grande cultura alicerçada nos relacionamentos à direita e à esquerda,
permiti-lhe esbanjar conversação por horas a fio. Trabalhou com De Gaulle e à
mesa leu-me dois discursos tirados das Memórias do grande homem que possui dedicadas
e autografadas. Nessas páginas, emitidas de Londres, em 1942!, Charles De
Gaulle, visionário, anteviu o que iria acontecer após a Grande Guerra à então
URSS e dá do criminoso Estaline um retrato preciso que a história mais tarde
confirmou. E, claro, não deixámos de falar de Napoleão III sua grande paixão.
Antes de abandonar o seu apartamento sobre o canal, ofereceu-me um serviço de
chá em cristal da Boémia, que lhe havia sido ofertado por Václav Havel. Uma
personagem, este Francis!
- Ontem e hoje tempo admirável, sol radioso, temperaturas quase de
Verão, o que para os parisienses é uma bênção e disso falam nas ruas, cafés e
transportes públicos. De facto, nesta época, não me lembro de um Outono tão
ameno.
- Esta palavra que me chegou de madrugada ao acordar vinda do fundo da
noite e que eu nunca empreguei: Vagalumes!