Quinta, 12.
Devia acompanhar os meus amigos a Cambrai não só
para lhes fazer companhia, como para voltar ao café-bar onde deixei o filho do
dono, a mulher provocante das pernas floridas, os reformados encostados ao
balcão e a decoração de um encanto sem igual há uma semana. Devia mas não quis.
Preferi ir ao Louvre ver uma curiosa e interessante exposição, Mythes Fondateurs – D´Hercule à Dark Vador, em que artistas de ontem e de hoje, deram
forma e concretização aos mitos da antiguidade, cada um com os seus
instrumentos, capacidades e loucuras. Saí pela Rue Rivoli, Tuileries e fui a pé
até à Place de la Madeleine, um esticão que me deixou de língua de fora, para
entrar na igreja do mesmo nome, onde Green nos últimos anos de vida tinha o
hábito de assistir à missa de fim de tarde. Não é a primeira vez que me recolho
nela, mas é seguramente a primeira depois da morte do ilustre escritor. No
interior sombrio e imponente, deixei-me ficar por um tempo a descansar, a rezar,
a admirar o altar-mor, o todo na forma de um templo greco-romano - uma
originalidade tendo em conta os objectivos religiosos. Almocei num restaurante
japonês que por aquela zona abundam, e fui de seguida comprar uma caixa de chocolates
para a Annie à Fauchon. O céu estava como quase sempre está quando por aqui
venho nesta altura – de chumbo. Aos magotes, comandados por um sujeito baixo
como eles, que erguia um guarda-chuva desmantelado, passavam centenas de
chineses ou japoneses venha o diabo que os identifique. Fotografavam tudo o que
mexia ou que estático lhes parecia poder oferecer ao amigo de olhos em bico que
de castigo ficara nos confins da sua terra natal, um pedaço da cidade que
decerto nunca mais poderão voltar a ver. Os rasgados boulevards por onde segui
sonâmbulo, passavam-me pelos cantos dos olhos a vagalumear (o verbo veio ao meu
encontro outro dia), já o dia declinava e ao longe, para os lados da Concorde,
um braseiro de luz enchia o horizonte. Havia entrado no Louvre a salmodiar a
canção de Bécaud, Nathalie, e saíra a
assobiar uma área da ópera de Mozart Così
Fan Tutte. (Escrevo estas linhas num pequeno bistrot da Quatre Septembre.)