Sábado, 21.
Anteontem desafiámos os medos e fomos,
Robert e eu, ver a exposição que está no Grand Palais. O título – pelo menos
para mim – tinha-me de sentinela: Picasso
Mania. Pensei tratar-se de mais um daqueles entusiasmos dos franceses que
adoram bater na mesma tecla anos a fio. Mas não. Desta vez, a moda vai para a
reconstrução do puzzle mitológico (caso da exposição do Louvre) ou confrontação
(esta que nos oferece um Picasso através dos seus descendentes directos). Ficam
de fora os milhões de bastardos por não haver espaço nos muitos museus do
mundo. São os chamados génios incompreendidos que pintam para arredondar a magra
reforma ou para registar no cartão de identidade uma profissão sem passado nem
futuro. Bom. À medida que fui avançando de sala em sala e me cruzei com certos
artistas que admiro (Jaspar Johns, Martin Kippenberger), comecei a ligar-me ao
projecto e a achá-lo curioso. Por uma razão simples: os pintores que ficaram
depois de Picasso, tendo-o admirado com sinceridade, abrindo, contudo, um
ligeiro sorriso de passagem, pegaram nas pontas que o artista catalão deixou e
construíram a sua identidade e personalidade próprias. Até mesmo um sujeito que
montou pedestal na propaganda, David Hockney, surgiu aos meus olhos com trabalho
digno de se espantar.
A Bigger Card Players - David Hockney |
A temática dos comissários da exposição é
simples: cotejar os trabalhos da geração posterior com uma obra do homenageado.
Três exemplos: Faith Ringgold com Les
Demoiselles d´Avignon, Malcom Morley com Les Demoiselles d´ailleurs e Adel Abdessemed com Guernica
Picasso´s Studio - Faith Ringgold |
Cradle of Civilization With - Morley Malcolm |
Basquiat |
- Quando deixámos o Grand Palais, fazia
escuro e chovia. Fomos então em passo de passeio Champs Élysées abaixo até à
Concorde. De um lado e outro da avenida, decorre nesta altura o Mercado de
Natal. Este sobe até quase ao Arco do Triunfo, com barracas iluminadas e toda a
sorte de artigos dos queijos aos sabonetes de Marselha, dos chocolates aos
enchidos, passando pela bijutaria, agasalhos, doces e toda a espécie de
inutilidades que fazem a delícia dos passantes. A nós convinha-nos um vinho
quente. Foi o que fizemos, em cavaqueira demorada debaixo de um toldo de
circunstância, vendo a noite passar batida a chuva, a apreensão que tem reinado
desde a semana passada em Paris aligeirada. Visitantes de Picasso muito poucos,
contrariamente ao que vi há mês e meio quando passei no Grand Palais pelas oito
da noite. A fila devia ter duas horas de espera. Também o metro onde fomos e
viemos, tinha poucos passageiros. Os parisienses e os turistas debandaram dos
museus, metropolitano, grandes lojas. O que Manuel Walls disse sobre a hipótese
de novo ataque desta feita com gás tóxico também não ajudou. O medo impera, embora mais acomodado à rotina
da vida.