segunda-feira, novembro 02, 2015

Segunda, 2.
Longa e interessante conversa com Mai-Hong, mulher do Lionel, a propósito do altar dos seus familiares desaparecidos – avô e pai – armado no salão. Rodeados de tangerinas, maçãs, incenso, fotografias, notas de banco, dois Budas... Tudo para que nada lhes falte no outro mundo, entenda-se no Paraíso, ao modo dos Faraós e romanos em geral que enchiam as pirâmides e sarcófagos das riquezas e necessidades dos seus mortos. Se bem compreendi, a vida daqueles que partem, continua de certo modo a cumprir-se nos mesmos moldes que foram os seus enquanto vivos, agora ajudados pelos que em vida continuam. A viagem dura 49 dias para os homens, 53 para as mulheres, durante a qual as orações e os víveres necessários, são mais intensas e em maior quantidade. Ao Paraíso chegados, reencontram as pessoas que mais amaram na terra e de lá imploram para os que ficaram se reencontrem um dia para sempre. Buda, enquanto emissário de uns e outros, está presente. Todavia, esta filosofia é extremamente complexa e toca todos os domínios da existência terrena: da compra de casa aos lugares dos objectos, da orientação do sol aos pressentimentos mais estranhos, tudo variando ao longo do dia. A casa, esta casa, está cheia de budas com as expressões e posições que incitam os seres humanos a segui-lo. Lionel, sendo este o segundo casamento, parece-me rendido à filosofia oriental pelo que ela possui de oposto à ocidental.  

         - Fomos de viagem a Colmar, a sessenta quilómetros de Strasbourg. Cidade por onde Rilke andou, imponente de beleza e tradições, com sua arquitectura de raiz germânica e sua catedral gótica, onde a riqueza sem se impor realça a forma de viver dos seus habitantes. Andámos perdidos horas a fio, serpenteando por ruas exclusivamente para piões, admirando as belas fachadas das casas centenárias, algumas das quais parecem tombar dos telhados, bêbadas. O vinho é a principal riqueza a par da forma de vida alegre, equilibrada, paisible, onde tudo é tratado com gosto, simplicidade e joie de vivre. As esplanadas que cercam o centro, estavam apinhadas de gente bem-disposta, provavelmente tocada pela cerveja que tem aqui expressão e comanda os contactos humanos. Em breve nascerá um novo museu, com quadros de Vieira da Silva, entre outros. Regressámos já a noite tinha caído sobre a cidade para eu conhecer o novo apartamento de Alexis, o primeiro dos três filhos de Lionel, a sul de Strasbourg. Trouxemo-lo a ele e ao irmão Loic para um jantar em família aqui em Ober Hausbergen (que quer dizer a casa no alto da colina), divertido e abundante das coisas boas da cozinha vietnamita. Ficará para a próxima o Museu d´Unterlinden por se encontrar fechado, que guarda o célebre tríptico de Matthias Grunewald.

         - Um avião russo que levantou voo de uma estância turística egípcia, despenhou-se no Sinai, tendo falecido todos os passageiros na sua maioria russos. Os peritos dizem que a aeronave se partiu no ar. Os radicais da Daech reivindicaram o atentado. Os especialistas estudam a tragédia.
 

         - Custa-me expulsar um leitor mais obstinado em me associar a redes virtuais para gente desocupada ou vazia. Mas foi o que aconteceu já por duas vezes nestes últimos tempos e irá suceder a dois estrangeiros – um leitor e uma leitora - que depois de elogiarem o meu trabalho (o inglês por e-mail longo e simpático!) me pedem amizade também. Gosto de ser lido, mas prefiro a amizade rosto a rosto, discussão contra discussão, e de facto, absorvido com a escrita, não disponho de tempo para embarcar em blá-blá flutuante. Que me desculpem.