Segunda, 2.
Longa e interessante conversa com
Mai-Hong, mulher do Lionel, a propósito do altar dos seus familiares desaparecidos
– avô e pai – armado no salão. Rodeados de tangerinas, maçãs, incenso,
fotografias, notas de banco, dois Budas... Tudo para que nada lhes falte no
outro mundo, entenda-se no Paraíso, ao modo dos Faraós e romanos em geral que
enchiam as pirâmides e sarcófagos das riquezas e necessidades dos seus mortos.
Se bem compreendi, a vida daqueles que partem, continua de certo modo a
cumprir-se nos mesmos moldes que foram os seus enquanto vivos, agora ajudados
pelos que em vida continuam. A viagem dura 49 dias para os homens, 53 para as
mulheres, durante a qual as orações e os víveres necessários, são mais intensas
e em maior quantidade. Ao Paraíso chegados, reencontram as pessoas que mais
amaram na terra e de lá imploram para os que ficaram se reencontrem um dia para
sempre. Buda, enquanto emissário de uns e outros, está presente. Todavia, esta
filosofia é extremamente complexa e toca todos os domínios da existência terrena:
da compra de casa aos lugares dos objectos, da orientação do sol aos
pressentimentos mais estranhos, tudo variando ao longo do dia. A casa, esta
casa, está cheia de budas com as expressões e posições que incitam os seres
humanos a segui-lo. Lionel, sendo este o segundo casamento, parece-me rendido à
filosofia oriental pelo que ela possui de oposto à ocidental.
- Fomos de viagem a Colmar, a sessenta quilómetros de Strasbourg. Cidade
por onde Rilke andou, imponente de beleza e tradições, com sua arquitectura de
raiz germânica e sua catedral gótica, onde a riqueza sem se impor realça a
forma de viver dos seus habitantes. Andámos perdidos horas a fio, serpenteando
por ruas exclusivamente para piões, admirando as belas fachadas das casas
centenárias, algumas das quais parecem tombar dos telhados, bêbadas. O vinho é
a principal riqueza a par da forma de vida alegre, equilibrada, paisible, onde tudo é tratado com gosto,
simplicidade e joie de vivre. As
esplanadas que cercam o centro, estavam apinhadas de gente bem-disposta,
provavelmente tocada pela cerveja que tem aqui expressão e comanda os contactos
humanos. Em breve nascerá um novo museu, com quadros de Vieira da Silva, entre
outros. Regressámos já a noite tinha caído sobre a cidade para eu conhecer o
novo apartamento de Alexis, o primeiro dos três filhos de Lionel, a sul de
Strasbourg. Trouxemo-lo a ele e ao irmão Loic para um jantar em família aqui em
Ober Hausbergen (que quer dizer a casa no alto da colina), divertido e
abundante das coisas boas da cozinha vietnamita. Ficará para a próxima o Museu d´Unterlinden
por se encontrar fechado, que guarda o célebre tríptico de Matthias Grunewald.
- Um avião russo que levantou voo de uma estância turística egípcia,
despenhou-se no Sinai, tendo falecido todos os passageiros na sua maioria
russos. Os peritos dizem que a aeronave se partiu no ar. Os radicais da Daech reivindicaram
o atentado. Os especialistas estudam a tragédia.
- Custa-me expulsar um leitor
mais obstinado em me associar a redes virtuais para gente desocupada ou vazia. Mas
foi o que aconteceu já por duas vezes nestes últimos tempos e irá suceder a
dois estrangeiros – um leitor e uma leitora - que depois de elogiarem o meu
trabalho (o inglês por e-mail longo e simpático!) me pedem amizade também. Gosto
de ser lido, mas prefiro a amizade rosto a rosto, discussão contra discussão, e
de facto, absorvido com a escrita, não disponho de tempo para embarcar em
blá-blá flutuante. Que me desculpem.