Quarta, 11.
Passei praticamente todo o dia no IX
bairro. Procurava um livro que não encontrei tendo confiado no Francis que me
orientou para lá. Pouco me importei. Estando na zona, não deixei de conhecer
uma série de passagens cobertas das muitas que existem em Paris e são
autênticas peças de arte que dá gosto admirar. No Boulevard Haussmann entrei em
diversas lojas e terminei a tarde nas Galerias Lafayette atapetadas de chineses
loucos a comprar no rés-do-chão ouro e relógios, bijutaria e malas de vários
milhares de euros. Não é lugar que me atraia e julgo que lá não punha os pés
desde o tempo em que acompanhei o Mário que se perdia de amores por compras e
coisinhas. Mas o bairro é ele mesmo uma perdição, onde a vida parisiense corre
viva nos bistrots, cafés e
restaurantes com a cozinha tradicional a impor-se à merdelhice da internacional.
Diante de uma chávena de chá, deixei as horas correr vadias, enquanto
mergulhava naquela azáfama de gente que alaga o Boulevard des Italiens vinda do
metro Richelieu Druot. Horas contadas a ver livros, a entrar e a sair de
livrarias, nos passeios públicos, por todo o lado sem esquecer o aglomerado de
negócios de ouro, arte, colecionismo que ocupa uma boa parte da Rive Droite, a
par das belas fachadas haussmanianas, sob um clima que mudou. O arquitecto de
Napoleão III só não conseguiu chegar a Montmartre e a um ou outro bairro da
capital onde os pobres puderam escapar à sua fúria destruidora para refazer
Paris tal como hoje a conhecemos e amamos.
- Fomos ontem jantar a casa da Françoise que nos preparou um diner simples e raffiné. Antes houve que enfrentar o périphérique àquela hora um confranjo de arrancar os cabelos. Françoise
tinha com ela uma amiga escritora de uma sensibilidade impressionante com quem
simpatizei in petto. Contou-me ela
que havia escrito um romance de trezentas páginas em três meses a partir de uma
ideia que lhe surgira durante o sono. Elyette trouxe o champanhe, a Annie a sobremesa, eu o vinho (português). À mesa, na atmosfera confortável e aquecida da sala, falou-se de
tudo em catadupa e muitas vezes em atropelo: política, viagens, de Jean-Paul
que esteve sempre presente, livros, teatro (da peça que a filha da dona da casa
representa neste momento), do Vietnam que as três com Robert vão visitar em
Janeiro do próximo ano, da casa que Françoise acabou de comprar com o dinheiro
que lhe rendeu a venda de um automóvel de colecção, em Biarritz. Saímos pela
uma da madrugada. Deixámos a escritora no seu domicílio da Rue Saint-Honoré, próximo do
Louvre, e atravessámos os Champs Élysées, Trocadero, o Sena ainda com muitos cafés
e bistros animados. Fazia frio.
- A série de assaltos a vivendas próximas continua. Ontem o nosso
vizinho das traseiras, que possui um grande jardim cuidado e uma casa enorme de
dois andares, teve uma tentativa de assalto. Não chegaram a roubar nada, porque
o alarme funcionou e os ladrões puseram-se em fuga. Pensa esta gente, que os
crimes são devido ao aglomerado de romenos que a mairie abrigou a uns cem
metros daqui. Mas ao certo ninguém sabe porque nunca os malfeitores foram
surpreendidos em flagrante.