quarta-feira, novembro 11, 2015

Quarta, 11.
Passei praticamente todo o dia no IX bairro. Procurava um livro que não encontrei tendo confiado no Francis que me orientou para lá. Pouco me importei. Estando na zona, não deixei de conhecer uma série de passagens cobertas das muitas que existem em Paris e são autênticas peças de arte que dá gosto admirar. No Boulevard Haussmann entrei em diversas lojas e terminei a tarde nas Galerias Lafayette atapetadas de chineses loucos a comprar no rés-do-chão ouro e relógios, bijutaria e malas de vários milhares de euros. Não é lugar que me atraia e julgo que lá não punha os pés desde o tempo em que acompanhei o Mário que se perdia de amores por compras e coisinhas. Mas o bairro é ele mesmo uma perdição, onde a vida parisiense corre viva nos bistrots, cafés e restaurantes com a cozinha tradicional a impor-se à merdelhice da internacional. Diante de uma chávena de chá, deixei as horas correr vadias, enquanto mergulhava naquela azáfama de gente que alaga o Boulevard des Italiens vinda do metro Richelieu Druot. Horas contadas a ver livros, a entrar e a sair de livrarias, nos passeios públicos, por todo o lado sem esquecer o aglomerado de negócios de ouro, arte, colecionismo que ocupa uma boa parte da Rive Droite, a par das belas fachadas haussmanianas, sob um clima que mudou. O arquitecto de Napoleão III só não conseguiu chegar a Montmartre e a um ou outro bairro da capital onde os pobres puderam escapar à sua fúria destruidora para refazer Paris tal como hoje a conhecemos e amamos.

         - Fomos ontem jantar a casa da Françoise que nos preparou um diner simples e raffiné. Antes houve que enfrentar o périphérique àquela hora um confranjo de arrancar os cabelos. Françoise tinha com ela uma amiga escritora de uma sensibilidade impressionante com quem simpatizei in petto. Contou-me ela que havia escrito um romance de trezentas páginas em três meses a partir de uma ideia que lhe surgira durante o sono. Elyette trouxe o champanhe, a Annie a sobremesa, eu o vinho (português). À mesa, na atmosfera confortável e aquecida da sala, falou-se de tudo em catadupa e muitas vezes em atropelo: política, viagens, de Jean-Paul que esteve sempre presente, livros, teatro (da peça que a filha da dona da casa representa neste momento), do Vietnam que as três com Robert vão visitar em Janeiro do próximo ano, da casa que Françoise acabou de comprar com o dinheiro que lhe rendeu a venda de um automóvel de colecção, em Biarritz. Saímos pela uma da madrugada. Deixámos a escritora no seu domicílio da Rue Saint-Honoré, próximo do Louvre, e atravessámos os Champs Élysées, Trocadero, o Sena ainda com muitos cafés e bistros animados. Fazia frio.  


         - A série de assaltos a vivendas próximas continua. Ontem o nosso vizinho das traseiras, que possui um grande jardim cuidado e uma casa enorme de dois andares, teve uma tentativa de assalto. Não chegaram a roubar nada, porque o alarme funcionou e os ladrões puseram-se em fuga. Pensa esta gente, que os crimes são devido ao aglomerado de romenos que a mairie abrigou a uns cem metros daqui. Mas ao certo ninguém sabe porque nunca os malfeitores foram surpreendidos em flagrante.