Segunda, 16.
Outro dia preparei um almoço para a nossa
amiga Therese que decorreu sem formalidades na cozinha. Mulher interessante,
aos sessenta anos e depois de uma vida a escutar páginas inteiras de cor da Recherche ao marido, um reconhecido intelectual funcionário superior dos
arquivos do Château de Vincennes, decidiu atacar a longa obra de Proust. Tendo
feito carreira numa orquestra, a vida inteira consagrada à música, foi com
espanto que lhe ouvi dizer que não gosta de Mozart. Quando quis saber as
razões, encolheu os ombros, absorta, o olhar imóvel no espaço e no tempo, em
busca da resposta que acabou por não chegar.
- O Papa disse que utilizar o nome de Deus para a prática de actos
violentos (referia-se aos ataques em França) é uma blasfêmia.
- Há um curto espaço de tempo nas minhas manhãs que vivo sempre intensamente:
a ida com o Robert ao restaurante Cinco Quinas tomar um bom café
português. O patrão, um homem meão, do Norte, acolhe-nos como se fôssemos os
melhores e mais abastados clientes. Em torno do balcão, de segunda a domingo,
está Portugal inteiro a bebericar água-ardente, a olhar a televisão (SIC), ou a
mirar através dos vidros baços. Ao fundo, debaixo da TV, sentados em torno de
meia dúzia de mesas, estão os amigos da sueca, do dominó, da cerveja a copo. Dependendo
do seu estado de espírito, a algazarra tanto agrada ao meu amigo como o faz
desaparecer a bica tomada num minuto. Todo aquele mundo vestido de negro, de
barrigas inchadas e olhos vítreos, não fala de nada que jeito tenha, antes
murmura grosso naquele modo que têm os portugueses da província quando a noite
desce e os corpos se juntam num aceno solidário de quem começa aí a sonhar
acordado. Entre eles, sobressai um sujeito gordo com um sorriso de criança
abandonada, que imita às mil maravilhas várias miadas de gato. Fá-lo com tal
perfeição, que a primeira vez que o ouvi, julguei haver por ali um felino
vadio. Foi preciso o dono do restaurante prevenir-me do feito do seu
conterrâneo para acreditar que o bichano era ele. Por isso, antes de sairmos,
saudei-o: “Até amanhã, senhor gato.” E ele muito surpreendido e com os olhares
dos outros postos nele: “Senhor gato!” Gargalha geral.
- Tínhamos dois espectáculos teatrais agendados: um para ontem, outro
para hoje. Foram cancelados por medo de possíveis ataques. Françoise e Elyette
deviam vir também - telefonaram a desmarcar por medo de viajarem no metro. Estamos
nisto.