sexta-feira, abril 03, 2015

Sexta-feira da Paixão.
Tenho assistido a algumas cerimónias religiosas da Semana Santa. A Missa da Seia do Senhor, celebrada pelo bispo de Setúbal coadjuvado pelos seus presbíteros na Sé, foi talvez o momento mais alto, que profundamente me tocou. A diocese como já aqui disse noutras alturas, faz um trabalho notável junto das populações e o resultado é a igrejas cheias como aconteceu ontem ao fim da tarde. Durante duas horas, estive mergulhado numa espécie de levitação divina, com aquelas vozes luminosas e fervorosas cantando numa missa que tanto foi de Pio V e de Vaticano II. No momento do Glória, o templo encheu-se de sons que vinham dos sinos da igreja, do altar, do coro, dos paroquianos. Toda a gente entoava aquele hino de júbilo e dentro da igreja a abarrotar parecia que existia uma só voz. No altar, entre a equipa de celebrantes o padre Graça, do alto dos seus oitenta anos de santidade, paramentado de lindas vestes bordadas a ouro. Feliz e reconciliado, saí e fui Avenida Luísa Todi fora. A noite escurecia já na Serra da Arrábida, nos passeios pouca gente, no ar tremeluzia um resto da infância feliz que foi a minha.

         - Manoel de Oliveira morreu ontem, Quinta-Feira Santa. A turba dos chamados homens da cultura e dos políticos que deles se lembram apenas para se despedirem ou aproveitar a leva chorosa que dá votos e prestígio, tecem encómios ao falecido. Um tipo do futebol, querendo ser mais papista que o papa, adiantou-se a enviá-lo já para o feio Panteão Nacional que virou uma banalidade que a todos suga. Eu não sou dos admiradores da obra do Mestre Oliveira. Mas conheci-o brevemente por duas ou três vezes nos tempos idos do SNI. Esta manhã, apresentando-me na caixa de um supermercado para pagar o Público que trazia a toda a primeira página a foto do Senhor do Norte, a rapariga disse: “Este já se foi, mas deve ter deixado bem os filhos.” Esta tendência mesquinha e invejosa, é típica do português não só da classe chamada baixa como da classe média. É, digamos, transversal ao murmúrio social. Acontece, nessas poucas vezes que com ele falei e com a mulher com quem me divertia, vê-los muito preocupados com os dinheiros que deviam chegar e nunca chegavam. Um dia encontrei-o com o cineasta Jorge Bruno do Canto de quem eu gostava muito e durante uma época acamaradarei pese embora o abismo das nossas idades. Aos dois escutei o mesmo lamento. Só que o realizador de A Canção da Terra tinha a rectaguarda fortalecida pelo Pantagruel. Manoel de Oliveira era crente e pautou a sua vida na proximidade dos Evangelhos. A sua longa vida de 106 anos foi orientada na fé. E pelo humor que não desmerecia do da sua Isabel.


         - Para acabar a necrologia. Também faleceu Silva Lopes o economista e a pessoa que eu admirava. Era um espírito livre, que dizia o que tinha a dizer sem olhar às circunstâncias nem às excelências. Disse para quem o quis ouvir que “num país onde as reformas andam pelos 400 euros, o valor máximo das mesmas devia ser de 2 mil euros”. Eu fui mais condescendente quando há anos aqui as limitei a 2500 quinhentos euros. Tudo o que por aí se ganha a mais, é escandaloso. Portugueses destes fazem imensa falta, não só pela sua competência, como pela defesa dos valores justos e da condenação da corrupção como foi o seu honroso caso. Adeus, querido amigo. Descansa em paz. A tua passagem por aqui foi uma bênção que recordaremos com saudade. Acrescentaste honra e saber à vida.