sábado, abril 25, 2015

Sábado, 25.
O homem sabendo quem eu sou, por simpatia ou convicção, durante a conversa, disse-me que gostava de ler qualquer coisa minha. Pensei enviá-lo à livraria do Simão, mas suspendi o pensamento, perguntando-lhe o que lia nesta altura. Respondeu-me, folgado e seguro: “Comprei o livro do Rui Unhas e estou a ler o José Rodrigues dos Santos.” Respondi-lhe: “Está em boa companhia. É melhor não se meter comigo, não faço o tipo de literatura que o senhor aprecia.” Diz-me o que lês dir-te-ei quem és.

         - Ninguém pode imaginar a leveza que sinto desde que decidi tomar distância relativamente ao romance. Estou tão calmo que pareço uma lesma (ainda assim espero que culta...). Sinto-me outro, transportado às alturas de uma indulgência, desamarrado do suplício que carreguei durante anos - pelo menos uns vinte -, de trabalhos forçados da escrita que em mim é sempre obsessão transformada de tempos a tempos em depressão. O peso aligeirado, permito-me consagrar mais horas à leitura, aos labores do campo, do jardim, das pequenas coisas para que nunca arranjo um minuto, pondo em primeiro a difícil tarefa de ter ideias todos os dias. Felizmente que continuo a dormir bem e de um jacto. Mas agora, animal selvagem à solta, durmo ainda melhor. Aos meus sonhos desaguam (como a noite passada) os doces murmúrios sensuais, os amores perdidos, intactos contudo na loucura atenuada pela gulodice da idade, que consente só o que quer e com quem quer, selecção exímia que vai buscar ao decanto da memória tudo o que ela guardou desses momentos sublimes quando o amor aconteceu no fio diáfano das horas nocturnas plenas do mistério que nunca se revela para que a cerimónia sagrada do amor possa irromper no corpo e nos sentidos e a felicidade da alma perpetue cada rosto, cada corpo suspenso da força transcendente da juventude eterna.   

         - A peça de teatro escrita por Tennesse Williams Doce Pássaro da Juventude, encenada por Jorge Silva Melo, tem como actriz principal a excelente Maria João Luís que contracena com o actor Rúben Gomes que eu conhecia de uma telenovela e não me havia impressionado nada. No caso, mesmo Maria Luís, não a senti à altura do papel, com momentos certos e outros hesitantes. Ao contrário, para mim foi uma surpresa, Rúben Gomes que começou frágil e depois se agigantou. Evidentemente a temática do autor americano é complexa e no desarrumo dos sentimentos, é preciso estar atento aos pormenores diabólicos que Tennesse desenvolve com maestria. O saldo final é digno, embora eu tenha muitas reservas quanto aos cenários, ao grupo de actores secundários e ao final com aquelas palavras vomitadas sem convicção por Rúben Gomes, quanto a mim a mais e são uma espécie de oração moralizante absolutamente desnecessária.

         - O Simão queria que eu comprasse um cartão que o teatro S. Luís disponibiliza aos frequentadores assíduos. Embora a assinatura anual seja quase formal, não me interessei sob o pretexto que raramente vou ao teatro por achar que os actores são fracotes e, sobretudo, representam não as personagens criadas pelos escritores, mas as suas próprias. Eu desloco-me apenas para ver o trabalho de certos actores e actrizes, de resto meia dúzia só. A maioria é de uma mediocridade convencida. Os encenadores são culpados porque correm atrás da moda, dos físicos de trolha, tirados a papel químico, híbridos e insuportavelmente gémeos. Quando o esqueleto começa a finar-se, o que resta fina-se também ou arrasta-se pelas tábuas dos palcos como caracóis carcomidos pela decadência. A turbamulta de artistas larocas, veio dos shows da marrequinha, dos concursos caracoleta, da moda, das telenovelas e assim. Não sabemos ou adivinhamos o que as pobres e pobres tiveram de fazer para ali chegar; temos, contudo, a certeza que o que ali acontece às claras não possui substrato formativo, intelectual e tarimba. São simplesmente uns cromos.