Sexta, 10.
Fortuna está a trabalhar arduamente para
uma nova exposição desta vez na Pousada de Palmela. Gosto muito dele, mas por
vezes cansa-me porque repete e repete sempre as mesmas coisas, os mesmos
poemas, os mesmos delírios. Talvez seja próprio dos oitenta anos. Todavia, eu
espero que alguém próximo de mim se lá chegar, me faça saber quando me devo calar
e render ao silêncio que é de todos os
estados o mais benfazejo.
- Eu gostava de saber que tem o Palácio de Belém de tão atractivo para
que num país com dez milhões de pessoas haja já dez putativos candidatos ao seu
assalto.
- Não via o António há algum tempo. Leio de vez em quando os seus
artigos no Público. “Então por onde tem andado? – Por Lisboa. – Por Lisboa! –
Quem não aparece, esquece. – Eu não apareço em lado nenhum e nem vontade tenho disso
– digo-lhe. – Mas eu não me chamo Helder de Sousa e não sou rico.” Na resposta
está implícito que sou abastado. O costume. De nada adianta repetir que vivo no
limite da dignidade para manter este espaço.
- Depois destes dias de chuva, o campo parece-se com o Paraíso Terreal.
Tudo abunda aos nossos olhos, tudo irrompe das profundezas do silêncio, imergindo
de um sono que sonhou a Terra como um lugar de paz, harmonia e beleza. Há uma
geografia de cores que torna tudo num jardim paradisíaco, sob um céu onde as
nuvens se atardam em pequenos grupos a conversar à roda de um sol tímido
espojado num imenso manto acastelado de luz.