Terça,
16.
Pois
é. Os comboios continuam vazios, o metro equilibrado de passageiros, os centros
comerciais com pouca gente, o Corte Inglês onde comi, com meia dúzia de gatos
pingados, o Rossio às moscas e assim por diante. Às vezes penso que as pessoas
disseram adeus ao Passe Navegante (o único baluarte até aqui da esquerda e de
Costa juntamente com a boa conduta na invasão do coronavírus no intervalo do
Mágico que já voltou em força e mais refinado), e passaram a utilizar o
carrinho. Porque não é possível seja de outro modo, tendo em conta que a
querida economia é mais forte que qualquer medíocre vida humana. Pois é, pois
é. Estive na Brasileira, claro, com os do costume. Tendo chegado cedo,
encontrei o nosso veterano Castilho agarrado aos jornais que falam do PIB, dos
juros, da perda do poder de compra e anunciam a miséria que aí vem não tarda.
Gramei a pastilha para cima de uma hora quando chegaram o Carmo, a Tereza,
Corregedor, o Zé Andrês e mais não sei quem. O Castilho só vê cifrões e,
enquanto o João só fala de política, ele todos os sons que emite é em nome da
riqueza e seus apaniguados guapos. Eu
tolero-lhe o radicalismo, porque o homem, do alto dos seus 85 anos, está ali
para as curvas. Vem todos os dias do Estoril onde mora, deixar a mulher no seu
estabelecimento ao Cais do Sodré - o tal onde o Mágico vai com frequência e
ultimamente para alargar casacos e calças. Eu gosto de Costa assim. Verdade
seja dita que o homem é normal, exerce o cargo sem ser em bicos dos pés, sem
peneiras nem arrogâncias excessivas. Parece, neste aspecto, um político dos
países nórdicos, talvez com um toque de ambição e pendor partidário a assomar
às bochechas redondas. Ele disse outro dia que os ministros e secretários de
Estado fazem o trabalho prático da governação e ele reserva para si a política.
Ou seja traveste-se de político – e a tragédia instala-se.
- Saí sob chuva miudinha, voltei com a
tarde aberta inundada de sol e até calor. Amanhã não deixarei este recanto
encantado. Vou trabalhar no Matricida que
cada vez me absorve mais. Espero encontrar a serenidade com uma boa noite de
sono de modo a não ter que enfiar um Valdisper. Há, contudo, um silêncio de
chuva a lardear por aqui. Porque a chuva tem um ruído silencioso antes das
primeiras bátegas e mais do que isso propaga um odor e uma atmosfera sensível
que nos escora ante a iminência da sua chegada. Cito Laforgue:
O pressoirs des vendanges des grands soirs!
Layettes aux abolis,
Thyrses au fond des bois!
Thyrses au fond des bois!