sábado, junho 06, 2020

Sábado, 5.
Os boçais do futebol aí estão mais agressivos devido ao tempo em que estiveram sem o vício que lhes devora as entranhas. Como não são autorizados a entrar nos estádios, vingam-se apedrejando autocarros (no caso o do Benfica), e ameaçando com grafites nojentos as casas dos jogadores e treinador. A Polícia faz remendos de ordem, mas a atitude que o direito dá a todos os cidadãos, incluindo aqueles que não se deixam alienar pela ditadura do futebol, é ser protegidos por igual. Eu não tenho de suportar a toda a hora a invasão desses energúmenos no meu quotidiano. É certo que posso passar as páginas do jornal a eles dedicadas, posso desligar o aparelho de televisão, posso afastar-me para não escutar a conversa dos entendidos (que é cada português), mas não consigo olvidar que somos mais ignorantes por cada tipo que obcecadamente goste de futebol. Em Portugal há mesmo duas culturas que se opõem – a do futebol e a outra que abarca diversas áreas, é plural e contém em si um mundo onde não cabem esses analfabetos.  

         - Alguém ouviu um silvo de indignação da parte dos comunistas e seus compinchas sobre aquela de Putin impor uma lei à sua medida de forma a ficar no poder mais 16 anos, ou seja, 36? Não. Porque para eles aquilo é a “democracia” a funcionar, curiosamente, diga-se, a mesmíssima que Salazar impôs e que eles combateram denodadamente. Aqui chamavam-lhe fascismo e lá? Talvez social-fascismo. O Corregedor disto nem quer ouvir falar. Nem dos anos que levou a dança vergonhosa das cadeiras entre ele e Dmitri Medvedev. O sectarismo é repelente. Eu saio sempre daquelas tertúlias na Brasileira, incomodado pelo tempo perdido. Não aprendo nada, nem vejo utilidade nelas. O João, tirando a política, não sabe falar de mais nada e acho até que lhe ficou a nostalgia dos tempos de deputado onde o jogo sujo e hipócrita, a retórica balofa corrente naquela Assembleia impropriamente chamada de representantes do povo.  Estes são os mesmos que diziam desconhecer os gulags (acrónimo de Administração Geral dos Campos), que não fecharam quando o campos nazis acabaram e Estaline que matou mais de 20 milhões de pessoas morreu;  o terror leninista e trotskista (Soljenitsin diz algures que o sistema carcerário dos czares era infinitamente mais benévolo que o dos bolcheviques);  a construção do Canal do Mar Branco que causou a morte a 25 mil prisioneiros; para não falar no terrível inverno de 1941-42 que dizimou de fome um quarto da população do Gulag; as perseguições; as mortes; o isolamento de artistas plásticos e escritores, bailarinos, cientistas na antiga URSS, a pata do KGB que tudo controlava. Insisto: o comunismo tal qual o conhecemos e vimos e vemos praticar, só tem chance – felizmente insignificante - nos países subdesenvolvidos, atrasados culturalmente, miseráveis. O mundo dos trabalhadores que eles dizem defender, não passa de uma cabala que os pobres trabalhadores não ousam imaginar. A eis-URSS, com a sua província díspar e profunda, é ainda hoje o exemplo em sangue de um destino humilde e travado de horizontes.

         - Perguntarão, como é hábito, de resto, e nos regimes capitalistas? Conheço o revés. Como se um espírito livre não pudesse olhar o homem e as suas circunstâncias de um só ângulo e existindo um não pudesse haver outro ou outros pontos de vista. Já nestas páginas disse: a esquerda portuguesa ainda não se adaptou à democracia ou, se me permitem, não a pode rejeitar porque se pudesse fazia-o. Basta ouvir o seu discurso, que ficou parado nos anos 60/70, como se Salazar ainda estivesse no poder e todos os que pensam diferentemente dela, fossem ferrenhos fascistas. Há nisto um jacobinismo obstinado, que retém a marcha do pensamento social e político, face aos factos históricos. A esquerda vive fechada em dogmas, em coisas que não tendo nunca acontecido, ela tem a esperança de um dia vir a acontecer. O pensamento único absorve-a impedindo que a diferença e outras causas filosóficas obtenham luz. Sectária, afasta do pensamento prático a ideia polimorfa que enfrenta os seus princípios redutores. Um amigo dizia-me outro dia: “O PCP é constituído por velhos. Mortos estes desaparece o partido.” É bem provável. Embora eu considere que o seu contributo no caso português não seja de todo censurável. Talvez as novas gerações aprendam o exercício da maleabilidade de pensamento, do direito ao contraditório, do determinismo, como direi, emocional que agilize o diálogo e faça corresponder a acção com a realidade. O apodrecimento do comunismo praticado na China, Coreia do Norte, Rússia para não falar na patetice de outros países sul-americanos, é de tal modo evidente e castrador da liberdade dos povos, que por si só dignifica a democracia a atrai milhões de povos fugidos da unicidade e da verdade única.  

         - Regas. Comecei a despertar a água, a tratá-la e a limpar a piscina. Espero poder mergulhar a partir de segunda-feira. A eléctrica chinesa não mora aqui em exagerados consumos. Daí que aproveite o fim-de-semana de custos mais em conta. Mexia o emproado gerente do ditador Xinping ping ping, não enriquece mais comigo.
        

         O homem apareceu oferecendo-me uma nota preta pela cortiça. Disse-lhe: “Não quero nada. Como assim?! Há nove anos o senhor pagou-me e por qualquer motivo não extraiu a cortiça.” O homenzarrão que não se lembrava, levantou as espessas sobrancelhas de espanto. Há uns dias, vieram aí outros dois a quem eu contei esta história e eles: “Então olhe lá e se nós lhe dermos mais dinheiro!”