Quarta, 24.
Na realidade o esforço e honestidade
da tradução de O Rei Lear por Cunhal
é de enaltecer. O tradutor, só em explicações, selecções das palavras,
situações históricas, adaptações para o português com escolhas por vezes
surpreendentes, apresenta 270 páginas. É obra! Depois é como tudo - cada
tradução tem o cunho do seu tradutor.
- Diz um dos responsáveis pelo Curry
Cabral que o hospital está a rebentar pelas costuras com novos casos de
coronavírus. E diz mais: que houve pressa no de confinamento. Pudera! O Mágico,
não cabendo em si de contentamento pela obra realizada, quis continuá-la
cedendo aos corruptos do futebol, às grandes empresas, à economia em suma. A seguir
à final do campeonato que os três camadas anunciaram com pompa e circunstâncias
nos Jerónimos, é que vão ser elas. Lixou-se, lixando-nos.
- Eu sou uma arara no domínio das
máquinas. Esta manhã, observando os depósitos de gasolina e de óleo do corta-relva,
inverti-os e fui deitar gasolina no do óleo e este no daquela. A seguir
esgotei-me a tentar pô-lo a trabalhar e só tarde me apercebi do desastre. Como
sou optimista, conclui: bom assim como assim, limpei um e outro e amanhã
tentarei de novo.
- João Corregedor trouxe-me ontem as
páginas da entrevista que João Tordo deu a uma revista semanal e esta manhã
quis saber a minha opinião. Acabámos por estar ao telefone um bom pedaço de
tempo a falar de livros (ele anda a reler Hernâni Cidade), mas sobre o tema
pouco adiantei ou antes já aqui falei inúmeras vezes do autor. Quanto à
entrevista é fracota para não dizer superficial. Tordo entrou num ritmo de
publicação que não abona nada a seu favor. Nos últimos romances já se denota isso.
Dito de outro modo, acho que é dos melhores da sua geração, circunscrevendo-me ao
trabalho da escrita. A maioria dos outros é “lixo” para utilizar a feliz
expressão de Lídia Jorge.
- Há um sufoco de trabalho aqui. Espero
que os meus sobrinhos que vêm cá passar uns dias brevemente, arranjem vontade
de ajudar. Porque, segundo a minha disciplina de vida, a prioridade das
prioridades, vai para a escrita e depois para a leitura. Reconheço, todavia,
que todo o meu tempo devia ser consagrado à oração e à meditação. Deus ocupa os
restos das nossas actividades quando devia ser o centro de cada segundo; Ele
que está ao nosso lado impregnando de força e luz a essência de cada vida.
- Estive a limpar a água da piscina.
Depois escrevi 909 palavras no Matricida,
a princípio com enorme esforço que a persistência traduziu num pedaço de texto
inesperado. Ainda por cima quando a história em nada se cruza com a minha vida.
Enfim, até onde se pode dizer dos romances dos romancistas. Alinho estas letras
no terraço, à sombra, o vento leve a limpar-me do desespero de me saber a viver
e nascido num país infeliz que o tempo e os rasgos de sol ameniza. São 16 horas
e 46 minutos.