quarta-feira, junho 24, 2020

Quarta, 24.
Na realidade o esforço e honestidade da tradução de O Rei Lear por Cunhal é de enaltecer. O tradutor, só em explicações, selecções das palavras, situações históricas, adaptações para o português com escolhas por vezes surpreendentes, apresenta 270 páginas. É obra! Depois é como tudo - cada tradução tem o cunho do seu tradutor.

         - Diz um dos responsáveis pelo Curry Cabral que o hospital está a rebentar pelas costuras com novos casos de coronavírus. E diz mais: que houve pressa no de confinamento. Pudera! O Mágico, não cabendo em si de contentamento pela obra realizada, quis continuá-la cedendo aos corruptos do futebol, às grandes empresas, à economia em suma. A seguir à final do campeonato que os três camadas anunciaram com pompa e circunstâncias nos Jerónimos, é que vão ser elas. Lixou-se, lixando-nos.

         - Eu sou uma arara no domínio das máquinas. Esta manhã, observando os depósitos de gasolina e de óleo do corta-relva, inverti-os e fui deitar gasolina no do óleo e este no daquela. A seguir esgotei-me a tentar pô-lo a trabalhar e só tarde me apercebi do desastre. Como sou optimista, conclui: bom assim como assim, limpei um e outro e amanhã tentarei de novo.

         - João Corregedor trouxe-me ontem as páginas da entrevista que João Tordo deu a uma revista semanal e esta manhã quis saber a minha opinião. Acabámos por estar ao telefone um bom pedaço de tempo a falar de livros (ele anda a reler Hernâni Cidade), mas sobre o tema pouco adiantei ou antes já aqui falei inúmeras vezes do autor. Quanto à entrevista é fracota para não dizer superficial. Tordo entrou num ritmo de publicação que não abona nada a seu favor. Nos últimos romances já se denota isso. Dito de outro modo, acho que é dos melhores da sua geração, circunscrevendo-me ao trabalho da escrita. A maioria dos outros é “lixo” para utilizar a feliz expressão de Lídia Jorge.

         - Há um sufoco de trabalho aqui. Espero que os meus sobrinhos que vêm cá passar uns dias brevemente, arranjem vontade de ajudar. Porque, segundo a minha disciplina de vida, a prioridade das prioridades, vai para a escrita e depois para a leitura. Reconheço, todavia, que todo o meu tempo devia ser consagrado à oração e à meditação. Deus ocupa os restos das nossas actividades quando devia ser o centro de cada segundo; Ele que está ao nosso lado impregnando de força e luz a essência de cada vida.


         - Estive a limpar a água da piscina. Depois escrevi 909 palavras no Matricida, a princípio com enorme esforço que a persistência traduziu num pedaço de texto inesperado. Ainda por cima quando a história em nada se cruza com a minha vida. Enfim, até onde se pode dizer dos romances dos romancistas. Alinho estas letras no terraço, à sombra, o vento leve a limpar-me do desespero de me saber a viver e nascido num país infeliz que o tempo e os rasgos de sol ameniza. São 16 horas e 46 minutos.