sexta-feira, janeiro 18, 2019

Sexta, 18.
Há uma conclusão que se apressa a bailar no meu cérebro agora que a viagem está prestes a findar: o tempo reservado a esta cidade foi muito pouco. Ficou tanto por conhecer, tanto por desbravar, que preciso de cá voltar, a esta terra onde gostaria de viver. Porque Cracóvia é um tesouro, um assomo de glória, uma civilização que eu espero não tenha a veleidade de se deixar deslumbrar com o euro e não caia na tentação de fazer parte da moeda dos corruptos destruidores dos povos, instalados com ordenados chorudos na Bruxelas tecnocrata e enfadonha. Dito isto, do muito que observei e conversei, não ignoro que a direita no poder, tem atacado sobretudo a liberdade de expressão ou mais exactamente a liberdade de imprensa e televisiva. Talvez não sejam tão espertos como os nossos governantes de “esquerda” que fazem tudo pela calada ou seja pela manobra, utilizando os meios sibilinos de ser e não ser consoante as circunstâncias. O que é facto, quando comparo Portugal com a Polónia, há diferenças tão cristãmente abismais que me repugna falar delas. Num país que até tem um presidente dos afectos, que se impôs a si próprio retirar da rua os pobres, um Governo dito de esquerda, etc. e tal, tudo não passando afinal de balelas e ultimamente até atirando a culpa aos infelizes que, imagine-se!, querem viver na rua. Ora, aqui em Cracóvia, não vi um único pobre ou mendigo. Um único! Mais: em Portugal as cidades são barulhentas, sujas, o trânsito caótico, os automobilistas ordinários e mal-educados, aqui não se vê um papel nas ruas, os condutores vêm lá longe já preparados para deixar passar o transeunte mesmo que ele esteja fora das passadeiras. Há neste povo, um rasto cultural que se detecta na comunidade como um todo. Mesmo quando discordam de mim que para os provocar lhes pergunto se falam russo, respondem, rindo, mas dando a entender que esse é assunto arrumado. Pelo contrário, quando lhes falo de João Paulo II, de Lech Walesa, do passado sob a pata do comunismo (outro embuste de primeira ordem), nota-se que lhes agrada os dois primeiros e nada o passado-recente. Do ponto de vista arquitectural, a cidade é um encanto. Não se vêem cópias da Defense, de algumas zonas de Madrid, de Lisboa, que são imitações dos horrores nova iorquinos. Não. Aqui o passado é respeitado e se os construtores quiserem construir mamarrachos que os vão levantar longe, nos campos descampados onde vi monstruosidades do tempo da URSS, mas em formatos mais pequenos. A vida que aqui encontrei é cordata, acessível, humanamente muito rica, o custo da mesma médio, apesar do muito importado, das grandes cadeias do inútil já implantadas. Nunca assisti a uma cena de roubo na rua, a uma discussão, a um arruaço. Os jovens vestem-se à maneira dos camaradas de outros países da Europa, é a mesma farda, os mesmos tiques no andar, mas, pareceram-me, mais reservados, mais contidos. Quando falo na entrada no euro, não vejo ninguém interessado, a experiência dos outros países basta-lhes. Atravessando todas as idades e condições sociais, existe um espírito cristão muito forte, embora a guia que tive na visita às grutas de Wieliczka me afirmasse que entre os jovens esse espírito está em declínio. Contudo, não foi isso que vi: em todas as igrejas em que entrei os jovens estavam quase em maioria. Mas isto vale o que vale. 

Praça de Rynek Glówny agora sem neve

Mercado tradicional nas arcadas de Rynek 


         - Apesar de a viagem ser de estudo, esta e todas as outras afinal, acabei o breve livro de 170 páginas de Jean Chalon, Journal d´un ours.


         - Hoje no autocarro sentei-me ao lado de um velhote que me fez lembrar Julian Green. Não sei a que propósito a simpática criatura meteu conversa comigo. Respondi-lhe em inglês língua que ele não falava. No entanto, essa minudência, não foi impeditiva de virmos todo o tempo em conversa fiada e risos por vezes sonoros: ele em polaco, eu na língua de farrapos.