Quarta, 16.
Auschwitz.
La mort n´est pas un événement de la vie.
La mort ne peut être vécue, dizia Wittgenstein. Sim, se tivermos em conta a
nossa própria morte. Mas a dos milhões de seres humanos liquidados pelo nazismo
e pelo bolchevismo, morremos em certo sentido com o seu desaparecimento e
experimentamos na alma a mão gélida da morte. Entendamo-nos: o século XX, foi
um século de totalitarismos, bolchevismo e nazismo, a que podemos acrescentar
no século XXI o integrismo islâmico. Este sudário de horror e compaixão que
cada um de nós vive ao percorrer aquela via-sacra onde Cristo caiu para nunca se levantar, interroga-nos e estupidifica-nos quando olhamos o
que o mundo está a pouco e pouco construindo de semelhante. Eu escrevi no livro
do Campo de Concentração, que desejava que ao menos os judeus (e não só) ali
cremados e supliciados, com o seu sofrimento ajudassem a humanidade a não cair nunca
mais em tão bárbara tragédia. Porque aquelas paredes, aqueles uniformes de
listas, aqueles quartos, aquele material utilizado, os milhares de fotos que
testemunham o massacre, a tortura, a fome, a doença, o desequilíbrio mental, a
indignidade, os fornos onde tudo acabava reduzido a cinzas, todo esse “estuário
de morte” (Jorge Sumprun, L´écriture ou
la vie), mais as experiências criminosas ali levadas a cabo, entrou-me não
só pelos olhos, como pelo olfato, o coração, o sistema nervoso, embora me
tivesse preparado para resistir à comoção, às lágrimas e aos gritos travados de
ódio e raiva, tudo o que vi, irmanado na aflição e no silêncio que dentro
daqueles pavilhões reina, naquela insuportável solidão que a neve caindo sem
parar acentuava, deixou-me no limite do descontrolo. Não tenho nenhum familiar
ali morto, não tenho na família nenhum judeu, mas aquelas almas, aquelas
crianças, aqueles velhos com a imagem do medo estampada nos rostos esquálidos, pertencem-me
por direito e justiça. Tenho o dever de os defender das infâmias dos que juram
que o nazismo nunca existiu, daqueloutros que afirmam desconhecer a existência
das câmaras de gás, dos milhões de judeus torturados e atirados para os fornos
a altas temperaturas, ainda que os comboios carregados de cadáveres lhes
passassem todos os dias à sua porta, como também urro contra todos os amigos a
quem disse ter intenção de visitar Auschwitz e num gesto covarde, egoísta, me
atiraram que não devia fazê-lo pelo horror da coisa. Este tipo de gente, é a
mesma que integra os grupos de turistas. Eu vi-os passar a alta velocidade,
entrar aqui e acolá, apenas no rés-do-chão dos blocos, fotografar e fugir a
sete pés. Nunca vi nenhum grupo no primeiro ou segundo andares, a subir as
escadas húmidas do suor dos condenados, onde paredes e corrimãos, têm
impregnadas as mãos trémulas dos sentenciados. Este tipo de amigo, é o mesmo
que não entra nos hospitais para levar uma palavra de conforto ao parente ou
amigo, argumentando cínica e egoisticamente, que preferem guardar dele a boa
imagem em vida. O mais enigmático para mim nas longas três horas que levei a
entrar e sair dos blocos, foi tentar experienciar, do ponto de vista racional,
o que foi cada uma daquelas mortes. Que aconteceu antes, existem testemunhos
bastantes, mas no momento preciso, no segundo misterioso que os livrou da
angústia e da esperança de sobrevirem – uma e outra decerto acompanhava-os -, o
que aconteceu? Por outras palavras, a morte teria sido um alívio? O mundo outro
onde passamos a existir carregará outro Lenine, Hitler, Estaline, Mao Tsé-Tung,
outros primos destes. Ils (os mortos)
avaient besoin que nous vivions de la mémoire de leur
mort: toute autre forme de vie nous arracherait à l´enracinement dans cet exile
de cendres. (Talvez não seja por estas palavras que Semprun se exprime, mas
o sentido que retenho na memória é este.)
- Silêncio e beleza da neve a cair em
farrapinhos alvos! Afastei os cortinados do quarto e trabalhei ajudado pela
poesia do dia banhado do seu movimento dançante. Tudo ficou imaculado e visto
do meu segundo andar tomou as imagens das fantasias de criança. – 2 graus.
- Desejar tudo sem ir ao lit com ninguém. Nunca imaginei chegar a
este estado de graça, eu que fui um valdevinos. Escrevo estas linhas no Nero
diante de um chá de Jasmim e um doce delicioso, à hora em que os polacos
invadem o krakowska.
- Amanhã vou visitar a Mina de Sal de Wieliczka.
Não sei bem como, dado que se por um lado o medicamento do Tó em completo
estado de senilidade, com duas tomas, me curou a coxa da perna, coitadinha, carente
das carícias dos rapazes armados em machos, ficou do último tombo o calcanhar
de Aquiles que parece estar pior. Por cautela, através do site da organização,
fiz a inscrição da visita, mas em cadeira de rodas. É a primeira vez que vou
fazer como o actor Gerard Depardieu que, sendo gordo, e achando que aquelas
distâncias infinitas nos aeroportos são uma maçada, requer sempre quem o
empurre.