Sábado,
12.
Um
longo passeio de mais de duas horas, levou ao pacato Bairro Kazimierz.
Construído decerto no tempo da URSS, a sua arquitectura é de uma monotonia
emparedada que reflete uma época que o Solaridad
de Lech Walesa destruiu. Sobre carreiros que os passos dos transeuntes abriram
no chão de gelo e neve, caminhei com todas as cautelas em todos os sentidos
absorvendo a atmosfera calma da manhã. No Targowa, encandeado pela beleza do
pequeno mercado pitoresco, vagueei ao encontro livre das emoções que esta
cidade maravilhosa nos oferece. Diria que ela nos enfeitiça, porque somos
arrastados pelo deslumbre que surge a cada esquina, no fácies dos seus
habitantes, como na suprema descoberta de uma urbe absolutamente intacta, limpa
e civilizada. O mercado, espécie de feira da ladra, onde tudo se mistura em
barracas populares – legumes, conservas, livros antigos, selos, pratas, couros,
postais do passado, cristais, tecidos... – é um lugar que diz muito da natureza
do povo. Ernst Junger diz que os cemitérios e os mercados, são os sítios por
onde o visitante deve começar a sua descoberta, porque é neles que se espelha a
cultura de um povo. Tem razão. Em conversa com dois ou três vendedores, pude
reter o brilho do olhar, a entoação da voz, a confiança que eles oferecem na
venda, e até um certo humor.
A graça do mercado de Targowa |
- Mais tarde, na praça maior de toda a
Europa, a Rynek Glówny. Trata-se de uma praça com traços medievais, uma das
mais antigas, com séculos de história, onde os estilos se misturam, deixando
ver os traços barrocos e góticos, e para onde conflui hoje como na Idade Média,
o visitante atraído pelas fachadas quadrangulares neoclássicas, de uma
elegância que extasia, e conta um passado glorioso que em certa medida ainda
persiste. Nos seus 200 metros de lado, no meio a estátua de Mickiewicz, encontramos
um mercado tradicional, que atrai imensos turistas, sobretudo chineses, com os
seus souvenirs em pedras preciosas,
ouro e prata, ovos e matrioskas em madeira pintadas a mão. Em redor, como na
Praça do Comércio, em Lisboa, restaurantes, bancos e igrejas.
Rynek Glówny |
Basílica de Santa Maria |
O Papa João Paulo II na sua capela |
- O dia acordou encoberto. Todavia, para
a tarde, abriu um sol radioso que se tornou perigoso por derreter a neve e
transformar as ruas num perigo. Sabendo disso, fui para todo o lado caminhando
no meu passo comme si, comme ça, por
cima do traçado dos outros caminhantes ou do sal que os moradores lançaram nos
passeios. A dada altura, não vendo uma saliência no caminho coberta da neve,
estendi-me ao comprido. Há muito tempo que tal não me acontecia. Pensava até que
os tombos, com idade, tivessem desaparecido. Levantei-me num ápice, depois de ter
mergulhado como faço na piscina, os braços abertos, as mãos estendidas no chão
alvo do gelo e da neve. Felizmente que indo de luvas, blusão de cabedal, gorro e
a minha tradicional mochila, o embate amorteceu. Fiquei todo sujo e coxa da
perna corajosa, dorida. Mesmo assim prossegui caminho. A dada altura, sentindo
dores, entrei num velho café que aqui são verdadeiras instituições. Se há coisa
a que não resisto, são os doces. Cracóvia possui a verdadeira arte de os
confeccionar. Paris fica a léguas de distância. Que venha pois um cafezinho bem
quente e um gateau de chocolate
encimado por uma noz. E que o tempo, com as horas ligeiras ou pesadas se
estarreça à porta da vingança, que eu daqui não saio enquanto estiver
mergulhado no encantamento da enfeitiçador.