sábado, janeiro 12, 2019

Sábado, 12.
Um longo passeio de mais de duas horas, levou ao pacato Bairro Kazimierz. Construído decerto no tempo da URSS, a sua arquitectura é de uma monotonia emparedada que reflete uma época que o Solaridad de Lech Walesa destruiu. Sobre carreiros que os passos dos transeuntes abriram no chão de gelo e neve, caminhei com todas as cautelas em todos os sentidos absorvendo a atmosfera calma da manhã. No Targowa, encandeado pela beleza do pequeno mercado pitoresco, vagueei ao encontro livre das emoções que esta cidade maravilhosa nos oferece. Diria que ela nos enfeitiça, porque somos arrastados pelo deslumbre que surge a cada esquina, no fácies dos seus habitantes, como na suprema descoberta de uma urbe absolutamente intacta, limpa e civilizada. O mercado, espécie de feira da ladra, onde tudo se mistura em barracas populares – legumes, conservas, livros antigos, selos, pratas, couros, postais do passado, cristais, tecidos... – é um lugar que diz muito da natureza do povo. Ernst Junger diz que os cemitérios e os mercados, são os sítios por onde o visitante deve começar a sua descoberta, porque é neles que se espelha a cultura de um povo. Tem razão. Em conversa com dois ou três vendedores, pude reter o brilho do olhar, a entoação da voz, a confiança que eles oferecem na venda, e até um certo humor.
A graça do mercado de Targowa

         - Mais tarde, na praça maior de toda a Europa, a Rynek Glówny. Trata-se de uma praça com traços medievais, uma das mais antigas, com séculos de história, onde os estilos se misturam, deixando ver os traços barrocos e góticos, e para onde conflui hoje como na Idade Média, o visitante atraído pelas fachadas quadrangulares neoclássicas, de uma elegância que extasia, e conta um passado glorioso que em certa medida ainda persiste. Nos seus 200 metros de lado, no meio a estátua de Mickiewicz, encontramos um mercado tradicional, que atrai imensos turistas, sobretudo chineses, com os seus souvenirs em pedras preciosas, ouro e prata, ovos e matrioskas em madeira pintadas a mão. Em redor, como na Praça do Comércio, em Lisboa, restaurantes, bancos e igrejas.

Rynek Glówny


Basílica de Santa Maria
         - Não podia deixar de visitar a Basílica de Santa Maria. De resto, em Cracóvia, devemos conhecer todas as igrejas que são autênticos museus, independentemente de sermos cristãos ou não. Esta tem os primeiros alicerces no séc. XII, que os Tártaros destruíram ao invadirem Cracóvia em 1241, renascendo em 1355, sendo uma das mais belas nos estilo gótico do país. Aqui, como por todo o lado, João Paulo II está presente. Os polacos são um povo muito crente e o que eu observo nas igrejas que visitei, é um fervor que tem no passado ecuménico a matriz e a fé. Por exemplo, nunca vi nenhum cristão deixar o templo sem jenuflectir na nave central, assim como os vejo orar num profundo recolhimento, como se eles e Deus se fundissem numa mesma e única criatura. O interior oferece vários estilos, capelas e nave central impressionantes. Segundo os historiadores, os frescos barrocos que vemos nos altares, escondem pinturas góticas e estas decorações românicas. 


O Papa João Paulo II na sua capela


         - O dia acordou encoberto. Todavia, para a tarde, abriu um sol radioso que se tornou perigoso por derreter a neve e transformar as ruas num perigo. Sabendo disso, fui para todo o lado caminhando no meu passo comme si, comme ça, por cima do traçado dos outros caminhantes ou do sal que os moradores lançaram nos passeios. A dada altura, não vendo uma saliência no caminho coberta da neve, estendi-me ao comprido. Há muito tempo que tal não me acontecia. Pensava até que os tombos, com idade, tivessem desaparecido. Levantei-me num ápice, depois de ter mergulhado como faço na piscina, os braços abertos, as mãos estendidas no chão alvo do gelo e da neve. Felizmente que indo de luvas, blusão de cabedal, gorro e a minha tradicional mochila, o embate amorteceu. Fiquei todo sujo e coxa da perna corajosa, dorida. Mesmo assim prossegui caminho. A dada altura, sentindo dores, entrei num velho café que aqui são verdadeiras instituições. Se há coisa a que não resisto, são os doces. Cracóvia possui a verdadeira arte de os confeccionar. Paris fica a léguas de distância. Que venha pois um cafezinho bem quente e um gateau de chocolate encimado por uma noz. E que o tempo, com as horas ligeiras ou pesadas se estarreça à porta da vingança, que eu daqui não saio enquanto estiver mergulhado no encantamento da enfeitiçador.