Terça,
27.
Há
um sítio que não quero e não devo perder de maneira nenhuma: o Museu Klimt. Fui lá no sábado, véspera de Natal, não
pensando na quadra que vivemos. O museu fica um pouco recuado, para lá do Palácio
de Schonbrum em cuja estação passei para chegar a Unit St. Veit onde saí. À
superfície senti-me um pouco perdido, porque o que vemos é um lugar árido, de
prédios, espaços desafogados e frialdade triste. Informei-me junto da única
pessoa que vi e me deu instruções para subir uma ladeira, virar à direita para um
bairro sossegado, com vivendas de porte e jardins, continuar lá no alto até ao
fundo da rua que parecia não ter fim à esquerda e aí deveria encontrar o que
procurava. Assim foi, de facto. Só que, depois de uma tal marcha, dei com o
nariz na porta e outra alternativa não tinha que torcer os pés e iniciar a
descida. Pelo caminho ia-me incentivando: anda strasse, coragem strasse, força
strasse, porra strasse... Eis senão quando, vejo a subir a rua um tipo cópia do
Frankenstein. Mudo de direcção, strasse, strasse não vá o diabo tecê-las! Enfim,
chego ao ponto de partida, entro no metro strasse, passo as estações
Braunschweigg, Hiezing, Schonbrum, Meiding Hapstrasse, Lãgenfeldg,
Margaretengrtel, Pilgrang, Kettenbrucheng, Oper, Karisplaz, Stubentor e
Landstrasse-Hauptstrasse! Completamente strasse, entrei espavorido num café,
desamarrei a cabeça strasse e fiquei por largo tempo descomprimindo do strasse.
Na próxima volto ao strasse, quero dizer, ao número 11 da Feldmuhlgasse. Gasse,
Gasse! (Desculpe-me o leitor. Tenha em conta que bebi um tintito quente há
instantes! Este texto é a prova provada do que pode o tintol!)
- Na
noite de Natal fui assistir à Missa de Galo na catedral, celebrada como é de
norma pelo cardeal da Áustria, Chrisph Schonborn. Cheguei estafado do concerto
na Church of Saint Jonhn the Baptist que foi excelente, muito superior àquele
que aconteceu antes da missa em Santo Estêvão pelo Metropolitankirche St.
Stephan. Pensei que devido aos atentados, teria de passar por controlos e mais
controlos. Nada disso. Apenas uma fila interminável que devia chegar quase a
Landstrasse para entrar. Passei à frente daquela multidão, transposta a entrada
da igreja, esta estava praticamente plena. Furei, fui furando até às portas do
altar-mor. Aí stop. Grupos de escuteiros não me deixaram transpor a fronteira reservada
aos ilustres cristãos. Refilei em várias línguas para que me entendessem. Disse
que ali era a casa de Deus e Ele não selecciona ninguém. Alguns sorrisos,
ninguém falou. Mas tive que retroceder e ir procurar lugar onde pudesse ficar
sentado. Encontrei um redondel em mármore que protegia uma coluna mesmo em
frente do coro e de um plasma. Forrei com o cachecol e o gorro o assento,
trepei para cima dele e fiz de conta que estava no cadeirão sacerdotal do
celebrante. O ofício litúrgico aconteceu todo em alemão e muito abreviado no
seu conteúdo tradicional. Para quê? Para que sua eminência pudesse fazer numa
língua de lixa um sermão de meia hora. O homem, como quase todos os eclesiásticos,
adora ouvir-se. Não posso ajuizar se falou com propriedade, admito que sim.
Para nós, contudo, já revoltados com a exclusão, aquela melopeia ficou algo insuportável.
Logo depois de o orador ter-se calado, ops! tudo se pôs a galope. De súbito,
estávamos na consagração da Eucaristia, ainda salmodiei o Pai-Nosso e já os
diversos concelebrantes se disseminavam para dar a comunhão aos fiéis. Felizmente
que o metro esteve aberto até às duas da madrugada e eu pude alcançar o meu
hotel um pouco antes dessa hora. Uma ressalva: se me revolto contra estas
atitudes da Igreja, é porque elas são injustas e pouco cristãs. No Vaticano,
antes do Papa Francisco, as pessoas que quisessem ficar sentadas nas filas
próximas do altar-mor, tinham que pagar. Eu tive acesso porque uma amiga me
ofereceu um convite. Aqui não sei se foi esse o caso. Seja como for, dentro da
Casa de Deus não deve haver pobres nem ricos. Todos somos dignos e iguais diante
de Aquele que nos fez e Ele fez-nos à Sua imagem e semelhança.