Segunda, 5.
A Europa, a querida Europa que passa por
ser europeia ou pertencer ao continente europeu se estiver arregimentada no
euro, tem sucessivos pequenos enfartes e qualquer dia fina-se com um fulminante
ataque cardíaco. Ontem andou a balões de oxigénio enquanto os povos austríaco e italiano, decidiam dos seus destinos. Uma das válvulas desentupiu. Refiro-me
à conservadora que manteve a vigorosa Casa Austríaca dos Habsburgo durante dez séculos;
a outra, de natureza latina e, portanto, incerta, teve mais um aperto
prontamente socorrido mas de prognóstico instável.
- Ainda o mundo dos energúmenos de futebol. Ontem, durante uma partida
desportiva em França, o guarda-redes do Metz, um português, foi atingido por
várias bombas artesanais que o levaram ao hospital. O diagnóstico foi claro:
suspensão de jogar por semanas para curar a surdez que o afetou. É certo e
sabido, que ninguém vai ser acusado da malfeitoria que podia ter sido pior para
o infeliz desportista.
- Em Cuba, sem que ninguém fosse obrigado a carpir como acontece com o
deus que dirige o Coreia do Norte, foram aos milhares os que se despediram de Fidel
Castro. Desde Havana até Santiago de Cuba onde foi enterrado, por todo o lado
onde o cortejo fúnebre passou, encontrou os passeios juncados de povo de todas
as idades e condição. As esquerdas dizem que sim, mas que não. O facto é que se
não tivesse sido a desumanidade e tirania dos americanos com o estúpido e
criminoso embargo à ilha, é quase certo que outro destino teria sido o dos
cubanos. Se com tantas dificuldades eles puderam desenvolver o essencial da
existência humana, que seria se a liberdade de importar e exportar, negociar e
relacionar com todos os povos para além do russo a que ficaram confinados, lhe
fosse consentida. Certo houve censura, prisões, deportações, falta de
liberdades. É verdade, é próprio dos regimes ditatoriais. Mas a democracia deve
também olhar para si mesma e perguntar-se se muito do que reprova ao vizinho
não está sob outros esquemas e fundamentos implementado no seu seio. Desse
ponto de vista há muito a dizer.
- Corre por aí um estudo – Envelhecimento
em Lisboa, Portugal e Europa: Uma perspectiva comparada – que pretende ser
a radiografia mais completa da gerontologia entre nós e que devia fazer corar
de vergonha os sucessivos governos que o nosso triste país democrático teve. Sabemos
que a Europa está envelhecida. Diz o estudo que para cima de 50 por cento tem
mais de 50 anos. Contudo, quando perguntada se foi feliz, os europeus de
dezasseis países, respondem “muitas vezes”, os velhos portugueses apenas 26,9 retorquiu
conhecer a felicidade porque dizem viver mal, com pior saúde e pouco dinheiro
para comer. Esta situação, remete-me como sempre aqui o tenho feito, para a
demagogia política que constrói a felicidade nacional a partir de mentiras e
distanciamentos aristocráticos, números e sorrisos macacos construídos na
Assembleia Nacional e nas reuniões ministeriais, nos partidos e nessa corja de
assalariados (normalmente advogados e economistas) bem remunerados que assiste
o Governo. E devo acrescentar a Igreja. Através dos anos, todos se estiveram
nas tintas para os idosos. A primeira, fazendo deles as personagens secundárias
e patetas que enchiam e enchem os templos; os segundos, a turbamulta que está a
mais, é desgraçada e entope a Segurança Social. Todos deram deles a imagem de
marginais, de gente limitada, suspensa do chamamento divino que tarda tanto
quando as novas gerações se atropelam para ficar com os seus lugares, os filhos
com os seus bens, os regimes políticos com folga nos orçamentos anuais. A
velhice em Portugal – muitas vezes por culpa dos idosos – é tida por
coitadinha, por pobrezinha, por sozinha, por doentinha, numa palavra, por uns pobres
infelizes que pr´ali estão à espera da morte. Não admira, portanto, que o
resultado da saúde mental dos portugueses seja tão deprimente. 36 por cento dos
inquiridos com 50 ou mais anos, apresentam sintomas de depressão, de fadiga,
dificuldade de dormir, pessimismo. Esta morbilidade está ligada ao consumo de
medicamentos que receitam os médicos desejosos de se verem livres deles e úteis
para a família que os têm mais calmos e sedados anos a fio (todos aceitam sem
pestanejar os comprimidos “para o resto da vida”). Portugal nunca olhou a
“terceira idade” como algo intelectual e socialmente útil ao conjunto da
comunidade. Afadigados em aferrolhar o máximo possível, entretidos no patuá
inútil, os senhores deputados nunca se debruçaram com atenção para um mundo que
parece meter-lhes medo. E, todavia, é esse mundo que pode reorientar o país
para políticas mais humanas e socialmente mais interventivas porque possui a
maioria de votos.
- Uma tarde destas quis ir ao cinema. Quando me abeirei da bilheteira (no
Corte Inglês), a empregada apresentou-me o bilhete para “a sessão da meia-noite
e quinze minutos”. Digo: “Como assim! À
meia-noite! - Esse filme só tem uma sessão” , responde ela. - “Bah, é um filme
pornográfico? – Não. Mas puseram-no para esse horário.” Desisti. Lembrei-me
doutros tempos quando amigos meus me desafiavam para ir à discoteca e me
marcavam encontro às três da madrugada e acabávamos por sair às nove da manhã. Era
um mundo invertido, louco, solto de deveres e obrigações, fantasmagórico.