Sábado, 24.
Mesmo nesta quadra, o veneno do Daesh não
cessa de ser inoculado no tecido já de si doente da Europa. Um tunisino, de 23
anos, foi abatido ontem em Milão quando o atentado que praticou e liquidou doze
pessoas e feriu meia centena, deu-se no mercado de Natal, em Berlim. Este
criminoso vinha sendo incriminado em muitos outros crimes, por alguns dos quais
conheceu a prisão. O jovem foi abatido por acaso. As autoridades italianas não
sabiam que ele estava no seu território, e ignoravam que fosse ele o procurado
na Alemanha pelas autoridades.
- Nesta minha segunda estada em Viena de Áustria, tenho dado prioridade
a sítios que não conheci quando cá estive em 1978 com os alunos da universidade
de Dijon e o seu director que teve a amabilidade de me convidar a fazer a
viagem juntos. Assim, desta vez, pus de parte aqueles lugares muito turísticos
como Schonbrunn, Beldere ou Hofburg por onde então vadiei, de boca aberta em
sucessivos bocejos, porque é preciso palmilhar centenas e centenas de metros
por superfícies vazias, quase só paredes e as paredes não contam a história por
nós. Ou antes até contam, mas temos nós levar-lhes a matéria estudada... Assim,
passei uma destas tardes na Kapuzinerkirche de onde saí de língua de fora, não
tanto pelas emoções que experimentamos no interior da Cripta Imperial, mas
pelos constantes constrangimentos por que passei até encontrar o antigo
convento dos capuchinhos. Mas vamos ao sarcófago do Império Austro-Húngaro. Todos
os Habsburgo estão lá, salvo o Imperador Carlos, desterrado no seu exílio, na
Madeira. Não obstante, um busto em mármore, não deixa os austríacos esquecer o
homem santo que agonizou em terras portuguesas (na tarde em que visitei a
Cripta, observei um casal muito jovem que depôs uma flor artificial nos túmulos
de Zina, Otto e no plinto de Carlos detendo-se numa pequena prece em cada um).
De resto, encontramos os caixões dos Fernando, dos Leopoldo, dos Francisco, dos
Maximiliano, todos unidos num espaço tenebroso de onde saímos com a impressão
de trazemos a morte agarrada a nós. São ao todo, se bem contei, 151 nomes de
uma Casa com dez séculos de história, que começou em Carlos V para terminar em
Regina, esposa de Otto, filho de Zita. No centro desta necrópole que ocupa uma
vasta zona da cave, está Maria Teresa, majestosa, ela que encarnou como nenhum
outro membro da ilustre família a grande Áustria triunfante, não apenas no
século XVIII, mas também no século XIX, ao lado dela o marido Francisco de
Lorena, acompanhados por quatro figuras que choram. Como até na morte nos
distinguimos, muitas das personagens que pelos seus actos, recuos ou desvios,
romperam com as normas estabelecidas, também ali pela posição, tamanho e beleza
dos caixões de bronze, sabemos quem não soube honrar e engrandecer a
descendência.
- Com este clima, passamos a vida a despirmo-nos e a vestirmo-nos. Por
isso, já perdi a conta à quantidade de vezes que deixei para trás cachecol,
luvas ou gorro. Curiosamente, procurando, acabei de todas as vezes por
encontrar o que havia perdido e me fazia falta para enfrentar este frio
rigoroso. Há sempre alguém, neste mundo civilizado, que apanha os objectos e os
deixa sobre uma mesa, um vão de janela, uma cadeira, de modo a que o seu dono os
encontre.
- Vou ter que me despachar porque daqui a nada vou assistir a um
concerto e logo de seguida, na catedral de Santo Estêvão, à missa da
meia-noite. Tenho a sorte de para ambos poder rapidamente chegar a pé. Amanhã
vou reservar o dia a vulgaridades, a coisas comuns que o pagode aprecia em
primeiro. Como um passeio pela Yppenplatze e Brunnenmarkt, um café acompanhado
de uma fatia de Sachertorte e se estiver para abrir os cordões à bolsa, talvez
me atire ao Zimtschnecken mit vanielleeis e mais uma vez a Wiener Schnitzel que
comi hoje e é uma delícia... de caro! Como está um frio de rachar mas não neva,
vou como um muçulmano: de mim só verão os olhos e a boca.
- A propósito. Quem disse que a vida por estas paragens é dispendiosa!
Olhe que não, olhe que não! Por exemplo, nunca encontrei um café por menos de
2,30. Mas o que eu achei baratíssimo, até porque podia gozá-los nesta vida e
levá-los intactos para a outra, foi um par de sapatos na Sir Anthony, Karntner Strasse, por 3.190 euros! São sapatos baratos, atendendo a que podem
igualmente ser os sapatos de defunto, não é verdade?
- Festas Felizes! Excelente Natal para todos!