quarta-feira, dezembro 14, 2016

Quarta, 14.
Não quero deixar passar em claro a atribuição do Prémio Pessoa a Frederico Lourenço. Foi mais do que merecido, tratando-se de um escritor que se anulou enquanto tal para se dedicar a traduções de uma riqueza e interesse incalculáveis. Li praticamente tudo dele. O romance penso que não é o seu forte. Ao contrário os ensaios, o conhecimento dos Gregos, e agora a tradução da Bíblia que estou a ler o primeiro volume, credenciam-no como um intelectual de primeira água e um erudito como há poucos. Depois tem para mim um outro atractivo que define a inteligência – o humor. 

         - Virgílio convidou-me para almoçar no Príncipe. Recusei porque tinha encontro marcado com a Alzira. Mas fui à Brasileira vê-lo a ele e a mais uns quantos que lá encontrei. No meio daquela gente os temas nunca faltam nem o calor do que cai na mesa transpõe a amizade que os une. Não quer dizer que não haja inveja e pequenas rasteiras, contudo não suficientemente fortes para os apartar uns dos outros. Diria que a memória de um tempo vivido colectivamente, traz ao convívio o elo unificador do grupo que se fortifica de cada vez que um elemento morre, numa espécie de perpetuação da anamnese que fica a pairar sobre os que restam em vida.

         - Alep está a ferro e fogo. Inocentes estão encurralados no fogo cruzado entre as tropas de Assad e os rebeldes. Há dias, para surpresa do mundo, atónito, o Daesh recuperou Palmira. Há cinco anos que a guerra se instalou e ninguém conseguiu até hoje repor a paz. Entretanto, um pouco por todo o lado, os jihadistas prosseguem na sua vingança. A derradeira assinatura, foi a destruição da igreja copta no Cairo.

         - Por cá é a eterna lengalenga dos governantes. Em vez de se ocuparem dos verdadeiros interesses das pessoas e do país, derretem o tempo em amusements de crianças e prima-donas. A última anedota veio do Porto, daquele homem que todos dizem ser mais inteligente que Adams Smith, chamado Rui Rio. Diz a proeminência que o Governo devia terminar com três dos impostos que pagamos e obrigar cada cidadão a descontar do seu trabalho uma percentagem para pagar a dívida nacional que, curiosamente, foram eles que a criaram ao meterem-se em esquemas de toda a ordem: obras monumentais de fachada, subsídios para os amigos, corrupção, má gestão dos dinheiros públicos.


         - Dizem-me alguns que sou “muito culto”. Pobre de mim que não passo de um ignorante. Julgam-me tal, porque a grande massa é de uma razia cultural confrangedora. Eu talvez me encontre dois palmos acima e daí ser culto, mas a moda da antiga classe média. Se acham que eu sou culto, leiam Frederico Lourenço.