Quarta, 14.
Não quero deixar passar em claro a
atribuição do Prémio Pessoa a Frederico Lourenço. Foi mais do que merecido,
tratando-se de um escritor que se anulou enquanto tal para se dedicar a
traduções de uma riqueza e interesse incalculáveis. Li praticamente tudo dele.
O romance penso que não é o seu forte. Ao contrário os ensaios, o conhecimento
dos Gregos, e agora a tradução da Bíblia que estou a ler o primeiro volume,
credenciam-no como um intelectual de primeira água e um erudito como há poucos.
Depois tem para mim um outro atractivo que define a inteligência – o
humor.
- Virgílio convidou-me para almoçar no Príncipe. Recusei porque tinha
encontro marcado com a Alzira. Mas fui à Brasileira vê-lo a ele e a mais uns
quantos que lá encontrei. No meio daquela gente os temas nunca faltam nem o
calor do que cai na mesa transpõe a amizade que os une. Não quer dizer que não
haja inveja e pequenas rasteiras, contudo não suficientemente fortes para os apartar
uns dos outros. Diria que a memória de um tempo vivido colectivamente, traz ao
convívio o elo unificador do grupo que se fortifica de cada vez que um elemento
morre, numa espécie de perpetuação da anamnese que fica a pairar sobre os que
restam em vida.
- Alep está a ferro e fogo. Inocentes estão encurralados no fogo cruzado
entre as tropas de Assad e os rebeldes. Há dias, para surpresa do mundo,
atónito, o Daesh recuperou Palmira. Há cinco anos que a guerra se instalou e
ninguém conseguiu até hoje repor a paz. Entretanto, um pouco por todo o lado,
os jihadistas prosseguem na sua vingança. A derradeira assinatura, foi a
destruição da igreja copta no Cairo.
- Por cá é a eterna lengalenga dos governantes. Em vez de se ocuparem
dos verdadeiros interesses das pessoas e do país, derretem o tempo em amusements de crianças e prima-donas. A
última anedota veio do Porto, daquele homem que todos dizem ser mais
inteligente que Adams Smith, chamado Rui Rio. Diz a proeminência que o Governo
devia terminar com três dos impostos que pagamos e obrigar cada cidadão a
descontar do seu trabalho uma percentagem para pagar a dívida nacional que,
curiosamente, foram eles que a criaram ao meterem-se em esquemas de toda a
ordem: obras monumentais de fachada, subsídios para os amigos, corrupção, má
gestão dos dinheiros públicos.
- Dizem-me alguns que sou “muito culto”. Pobre de mim que não passo de
um ignorante. Julgam-me tal, porque a grande massa é de uma razia cultural
confrangedora. Eu talvez me encontre dois palmos acima e daí ser culto, mas a
moda da antiga classe média. Se acham que eu sou culto, leiam Frederico
Lourenço.