terça-feira, dezembro 28, 2021

Terça, 28.

Não desejo ao meu pior inimigo (se o tiver) que adoeça nesta altura. Eu conto. Quando no sábado passado tentei socorrer a Piedade, bati à porta de dois centros de saúde, telefonei para vários lados, e obtive sempre um rotundo e desprezível silêncio. Cria-se um fosso, um vazio medonho por onde o tempo se esvai e o vagante nos tolda os sentidos. Acabei no hospital de Setúbal pelas cinco da tarde para sair à uma da madrugada. Mesmo assim sem ter a certeza que a minha empregada estava livre de perigo. Nas urgências encontrei de tudo e todos os que a elas acorreram, fizeram-no pela mesma razão que  me lá levou a mim. Logo a minha cabeça se pôs a pensar. E o que ela concluiu é que há um estrato social imenso que cobre praticamente todo o país e um outro, lá no cimo, onde estão instaladas as meninas BE, os senhores PCP, os anafados PS e os palradores PSD. O povo está abandonado, não tem direitos, sofre por destinado, e só chamam por ele quando a democracia achincalhada por aqueles barões o exige. Dito isto, também não tenho dúvidas que muito do desastre se deve ao funcionalismo irresponsável, que cresceu exponencialmente depois do 25 de Abril e constitui campo fértil ao domínio da esquerda e faça ele o que fizer, comporte-se como quiser, nunca nenhum funcionário será despedido. Depois, entre essa massa de subordinados aos partidos, está uma ilha de mulheres e homens bem formados que faz a diferença, mas não tem voz que levante da subserviência os demais.  

         - Terminei o breviário de Green. Mil cento e doze páginas que comecei a devorar (é o termo) na quarta semana de Outubro, em Paris. Devia principiar a leitura do terceiro volume, mas fico-me por aqui. Tenho a vista cansada e outros livros para acabar. Ler de uma enfiada mais 1030 páginas, em papel bíblia, corpo minúsculo, precisa que eu restaure os olhos. O homem é de uma complexidade e fascínio imensos e muito tenho para dizer, mas prefiro por agora calar-me.  

         - É impressionante a correria do Ómicron saltando de corpo em corpo. Fala-se já da quinta vaga! Restrições da liberdade e confinamentos estão por toda a Europa. Prevê-se que depois das festas de fim de ano, o aumento seja dramático. Eu, prevenindo-me, não vou fazer quatro sessões de tortura dentária agendadas para Janeiro.  

        - Nem tudo é, todavia, mau. Por exemplo (estou a lembrar-me agora) acabaram aqueles momentos de desassossego nas missas de domingo como naquela a que assisti neste primeiro dia da semana, quando o sacerdote anuncia “a paz do Senhor esteja convosco”. A meu ver deviam esquecer aquele exercício infeliz, um pouco hipócrita e que despega o fiel da intimidade com Deus através do acto litúrgico. As boas acções devem ser feitas rosto a rosto.