quinta-feira, dezembro 09, 2021

Quinta, 9.

Rubrico este dia como o primeiro de tantos outros que se alongarão por quantos forem necessários à consumação do que hoje aconteceu: o súbito começo do romance. E para me comprometer a encher as manhãs de cintilantes avalanches de palavras, aqui ficam os dois primeiros parágrafos da história A Camisa de Linho (título provisório). 

       Ao fundo da rua sem saída, do lado esquerdo de quem entra pela Avenida Isabel da Nóbrega, fica a vivenda dos Boavida. No portão, do mesmo lado, estava um azulejo pintado à mão com o número 13, oferta de Rodrigues Santa Clara, velho amigo dos donos da casa e logo abaixo a campainha disfarçada pela folhagem que emoldurava a entrada. 

         Visto da avenida, o beco oferecia ao passante uma mancha plena de mistério, lugar quedo, brumoso quase sempre, alheio ao ruído dos carros que atravessavam a larga rua e praticamente não davam por aquele pedaço de chão metido nos fundos de um arruamento ladeado de casas de um piso. Seriam umas quatro vivendas de cada lado, construídas nos tempos difíceis do pós-guerra, tão semelhantes na falta de gosto como na arquitectura minimalista, que poderia dizer-se foram erguidas para o essencial da vida humana, resumido em meia-dúzia de horas de sono.