quarta-feira, dezembro 15, 2021

Quarta, 15.

Há cerca de quinze dias ou coisa assim, o professor Cavaco escreveu um longo artigo de três páginas no Público sobre o Tratado de Maastricht ou antes a viagem até ele. O curioso da peça, é por um lado o tom professoral; por outro estarmos diante de números que falam e discutem entre si, como se a comunidade que integra hoje a União Europeia fosse formada por abéculas criaturas sem prerrogativas nem cabeça para pensar; iluminada por um naipe de políticos com a inteligência de contabilista do senhor Cavaco Silva. Aquilo é um susto, uma sobranceria pacóvia, que fala como o realejo das feiras populares, destinado não se sabe a quem, porque nunca se fala de pessoas nem das questões sociais que as une. E de facto, quando pensamos, somos reenviados à nossa reduzida insignificância no seio das nações capitalistas que só nelas pesam. Alguma vez, sobre este ou aquele tratado, os portugueses foram chamados a escrutinar ou sequer lhes foi perguntado se estariam interessados em agrupar, perdendo parte da sua soberania, uma tal união de interesses tão divergentes como esta em que pela força estamos? Por nossa culpa. A atrição não resolve o problema. Digo como Flaubert: “A resignação é a pior das virtudes.” 

         - Disse à Marília: “Como é que uma mulher inteligente como tu, pode ser do PCP?” Ela sem hesitação, responde: “Ah, mas eu sou super-inteligente.” Gargalhada de um lado e outro do telefone. Isto no decorrer da conversa sobre a sua colega e camarada Charlotte Perriand (1903-1999) que ela não conhece, e eu quero oferecer-lhe um álbum com parte da sua extraordinária e multifacetada obra.  

         - Às vezes tenho a sensação que me atrelo a este diário para fugir ao romance. Foi o que aconteceu durante todo este ano – redobrei energias e gosto por registar os pequenos e grandes acontecimentos pessoais e do mundo. Transportei-me inteiro para aqui e com o prazer de cada dia aperfeiçoar a escrita. A verdade é que sem este exercício quotidiano, provavelmente já não saberia escrever. Porque a escrita é também endurance como o desportista que necessita de treino todos os dias, o romancista ou escritor deve praticar para que a memória não lhe falte, os sentimentos estejam à flor da pele, a indignação à boca da revolta e a serenidade no fio do tempo. 

         - Faleceu o Rogério Samora. Parece que nos últimos tempos sofreu muito. Vimo-nos há pouco mais de um ano no Chiado, emproado de importância, achando-se um grande actor que decerto até seria não podendo eu ajuizar porque não vejo novelas e ao teatro vou pouco. A memória que guardarei dele não pode aqui ser recordada. Pertence aos seus primórdios de actor, quando vivia na Amadora e eu me recusei sempre a acompanhá-lo até lá. Que descanse em paz e Deus o guarde puro e crente como se é na juventude.