segunda-feira, dezembro 13, 2021

Segunda, 13.

“Quando se faz da cruz o símbolo do cristianismo, esquece-se, muitas vezes, o essencial. Jesus nunca quis a cruz, nunca desejou o sofrimento. Pelo contrário, passou a vida a descrucificar as pessoas que eram vítimas de doenças, de descriminação, de desprezo, de todas as formas de sofrimento e de marginalização.” Palavras sábias de Frei Bento Domingues que vai mais longe. “Quando se diz que Jesus aceitou a morte para cumprir a vontade de Deus, é o supremo insulto a Jesus Cristo e ao seu Deus. Essa expressão deve ser classificada como blasfémia (!). A vontade criadora e recriadora de Deus é de nunca se desistir da alegria. É por isso que a cruz só pode ser símbolo do Cristianismo mediante a Ressurreição, o triunfo sobre a cruz, sobre a morte.” Quando acabei de ler o artigo do ilustre pensador, disse para mim: Esta é outra Igreja, este é um pensar ao contrário de tudo quanto nos impingiram acerca de Deus e dos seus castigos. Este Deus eu entendo, aceito e venero; o outro, bárbaro e vingativo, como a Igreja portuguesa nos impôs, não entra no meu coração. A Igreja salazarenta, dominadora e déspota, contra o progresso e as ideias, o faz o que te mando e não o que eu faço, ainda campeia de Norte a Sul deste triste Portugal e vão ser precisos dois ou três papas Francisco para a repor no verdadeiro caminho de Cristo. 

         - A extradição de Julian Assange, acusado de espionagem pelos EUA, conheceu agora um desfecho muito triste com a decisão do tribunal britânico  de recambiar o ilustre homem para uma cadeia americana onde poderá ficar 175 anos. 175 anos! Que loucura! O bom homem vai em sessenta de vida, mas os juízes americanos querem que ele tenha mais 115 de vida para pagar a afronta de ter divulgado 700 mil documentos sobre as actividades militares, no âmbito das guerras no Afeganistão e no Iraque. Uma e outra foram assassinas actividades da América como sabemos; responderam a interesses políticos e empresariais, nas quais morreram milhares de pessoas. O mundo civilizado agradece a Assange e ao nosso Rui Pinto. Por eles devemos inclinar-nos em veneração pela sua coragem em louvor de um mundo mais equilibrado e tributo para diminuir a corrupção e robustecer a democracia. 

         - Não se fala noutra coisa, o país político está rendido à “competência da Polícia Judiciária” que, por sua vez, em campanha para lavar a péssima imagem que os portugueses têm dela, multiplica-se em palavreado pelas televisões e jornais. Fizeram um feito ao detectar e levar a tribunal o ladrão, Sr. João Rendeiro, que se refugiou num resort de luxo em Durban, África do Sul, para inveja dos senhores jornalistas que dele (hotel) falam com água na boca. Esta maneira bem portuguesa de elogiar aquilo que é dever de todos e de cada um, quero dizer ser competente, célere, independente, não é mais que a exposição da mediocridade de uns e outros. Uma Polícia que necessita de ser elogiada pelo seu trabalho, é uma Polícia frágil, dependente, infantil. Indignam-se também os nossos amáveis jornalistas e comentadores (estes são uma chusma de interesseiros pouco honestos que não merecem crédito), contra o facto de o tratante ter sido fotografado em traje de dormir (a polícia surpreendeu-o às primeiras horas da manhã ainda o homem descansava na tal babel para ricos que os jornalistas gostariam de ter estatuto para a frequentar) e que essa divulgação é um ultraje à sua dignidade. Absolutamente de acordo. Só não aceito é que o mesmo jornalismo não se importe com o pobre diabo que matou, roubou, feriu ou assaltou um banco, o mostrem em condições sempre desprezíveis e pouco humanas. Até aqui se vê que há um Portugal para pobres e outro para ricos, assim como há um jornalismo de abencerragem e outro de feira da ladra. E que dizer do trabalho da Justiça no respeitante aos corruptos que roubam e saqueiam quando em postos públicos ou governamentais? Cala-te, rapaz. Porque não te calas! Quanto ao mais, a ver vamos se sua excelência o embusteiro vem parar com os costados à cadeia portuguesa e quando. Há alguns como ele que já deviam estar atrás das grades há muito tempo e andam por aí a pavonear-se à grande e à francesa, não é verdade? 

         - No artigo de João Miguel Tavares no Público de sábado há uma taralhoquice evidente. Eu gosto do homem, estou quase sempre de acordo com ele, adoro o seu combate, o seu constante desafio do pouco correcto. Todavia, no escrito em que ele fala dos negacionistas tontos e dos aceitacionistas (a palavra é dele) acéfalos, tudo se compreende mas no final tudo se descompreende (vou na sua onda linguística). Sobretudo quando afirma (a propósito das notas da DGS sobre a vacina nas crianças): “Mostrem os estudos, não misturem os números dos 5 aos 11 anos com os dados dos 0 aos 18 e utilizem argumentos inteligíveis. É assim que se mobilizam cidadãos racionais em democracias evoluídas.” É aqui que a porca torce o rabo. Quais são essas democracias evoluídas? Onde se situam? Como se chamam? Isto porque o que eu vejo – e penso que ele se referia a Alemanha, França, Países Baixos – os índices de negacionistas por lá são muito elevados e Portugal, neste aspecto, precisamente, faz figura de país evoluído e conhecedor. (Bem sei que é chato, horrível mesmo, ter de escrever uma crónica obrigatória, quand même!

         - Lá fora há um capacete de chumbo a cobrir a terra de desespero. Aqui dentro o incessante murmúrio do trabalho onde só as palavras se distinguem no silêncio espesso que outras camadas de silêncio organizam na harmonia das horas. São 17 horas e três minutos. Esta hora pertence em exclusivo a este meridiano – estranho mundo onde só a luz dos candeeiros dialogam entre si e as recordações parecem flutuar dentro destes muros.