Sexta,
2 de Agosto.
Duma
assentada vi três exposições na Gulbenkian: O
Gosto pela Arte Islâmica, Sara Afonso
e Joalharia Contemporânea em Portugal. Sempre tive um grande fascínio pelo
senhor Calouste Sarkis Gulbenkian e pela Fundação com o seu nome. Nasci por
assim dizer nos relvados do jardim, nos bancos das galerias, diante de
mobiliário e telas que me deixavam horas a descobrir o mundo que plasmava vis-à-vis
dos meus olhos estupefactos, cruzava-me com o seu grande obreiro Azeredo
Perdigão, homem simples e acolhedor, despretensioso e competente, sabia de cor
as intrigas, as histórias de alcofinha de muitos dos seus ilustre gestores. Todavia,
o que descobri desta vez, foi as reservas que o museu guarda e fizeram o gosto
e escolha do milionário arménio otomano, assim como peças importantes vindas do
Louvre ou do Victoria & Albert. Do contraste, quem sai dominador em gosto e
conhecimento, é o senhor Gulbenkian que perseguia os seus objectivos baseado na
sensibilidade e na infância que é de todos os ensinamentos o mais imperativo e
estruturante. A grande sala do museu, enche-se assim da atmosfera árabe e dos
seus artistas que nos dizem que eles foram o berço de uma civilização onde o
conhecimento esteve sempre presente ao contrário do que nos forçam a renegar.
Iluminuras, tapetes, gravuras, jades extraordinários, cerâmicas Iznik com
aqueles azuis que transportam consigo a alegria, o sol, a transparência do céu,
trabalhados de uma perfeição minuciosa, pintados e gravados, mesmo quando tomam
o gosto europeu, são obras de arte de uma originalidade extasiaste.
Bandeja pertencente a Badr al-Din Li´Lu´mais tarde governador de Mossul, Iraque. |
Cortina do sultão Mahumud II (1808-1839) |
Bíblia impressa em Istambul por Khodja Nazar,1623 |
Manuscrito do Alcorão do XVII-XVIII |
A obra de Sarah Afonso é para mim
sobejamente conhecida e por isso passei por ela como cão por vinha vindimada.
Não há nestas palavras qualquer desmerecimento da obra, mas o sentimento que a
artista não foi inovadora e a sensação que sempre tive de já a ter visto a sua
pintura por aqui e por ali. Digamos que ela é síntese de uma arte que varreu os
pintores entre os anos 30 e os 60 – a ilustração.
Os artistas da joalharia, presentes no
museu de Arte Moderna, também muitas das peças ali expostas eram já minhas
conhecidas. Contudo, o que lá me levou foi o meu amigo Gordilho. Outro dia na
Brasileira ele mostrou-me (no smartphone) a peça que a Gulbenkian possui e está
logo à entrada, Torci o nariz, não me pareceu nenhuma criação digna desse nome,
conhecendo coisas dele mil vezes melhores. Depois, diante da obra, disse para
os meus botões: “aqui está como visitar museus é imperativo para o julgamento
das obras e dos seus criadores”. A peça reflete uma época, é testemunho dela, e
o artista teve a capacidade de a deter inteira na memória de um objecto banhado
pela visão política e pessoal de Alberto Gordilho.
Joalharia de Alberto Gordilho |
- A Gulbenkian. Passei lá uma tarde
inteira e foi como se tivesse aprisionado o tempo. Durante a minha
adolescência, ela foi a minha segunda casa. Ia para lá de manhã ao encontro dos
amigos que tinham o hábito de abancar no único restaurante que então existia, discutíamos
muito política, arte, livros diante daquela janela que abrir para uma tela de Turner.
De seguida assistíamos ao “pequeno concerto” no espaço ao lado. Tudo gratuito, cativante,
magnífico a condizer com os desejos do senhor Gulbenkian e Azeredo Perdigão. O
resto da tarde, era ocupada com passeios pelo jardim, colhendo as perspectivas
floridas, os espaços de lazer, à sombra das copas largas do universo vegetal do
museu, na expectativa de um espectáculo de dança ou concerto no grande
auditório. Regressava a casa, na Rua do Salitre, a abarrotar de felicidade. Adormecia
tarde, excitado por tudo quanto havia vivido, uma lágrima de emoção
teimosamente, como uma pérola preciosa, a marcar o meu rosto aureolado do sonho
oferecido por um homem extraordinário que veio de longe para morrer nos braços
de um país que o soube cativar.