sexta-feira, agosto 02, 2019

Sexta, 2 de Agosto.
Duma assentada vi três exposições na Gulbenkian: O Gosto pela Arte Islâmica, Sara Afonso e Joalharia Contemporânea em Portugal. Sempre tive um grande fascínio pelo senhor Calouste Sarkis Gulbenkian e pela Fundação com o seu nome. Nasci por assim dizer nos relvados do jardim, nos bancos das galerias, diante de mobiliário e telas que me deixavam horas a descobrir o mundo que plasmava vis-à-vis dos meus olhos estupefactos, cruzava-me com o seu grande obreiro Azeredo Perdigão, homem simples e acolhedor, despretensioso e competente, sabia de cor as intrigas, as histórias de alcofinha de muitos dos seus ilustre gestores. Todavia, o que descobri desta vez, foi as reservas que o museu guarda e fizeram o gosto e escolha do milionário arménio otomano, assim como peças importantes vindas do Louvre ou do Victoria & Albert. Do contraste, quem sai dominador em gosto e conhecimento, é o senhor Gulbenkian que perseguia os seus objectivos baseado na sensibilidade e na infância que é de todos os ensinamentos o mais imperativo e estruturante. A grande sala do museu, enche-se assim da atmosfera árabe e dos seus artistas que nos dizem que eles foram o berço de uma civilização onde o conhecimento esteve sempre presente ao contrário do que nos forçam a renegar. Iluminuras, tapetes, gravuras, jades extraordinários, cerâmicas Iznik com aqueles azuis que transportam consigo a alegria, o sol, a transparência do céu, trabalhados de uma perfeição minuciosa, pintados e gravados, mesmo quando tomam o gosto europeu, são obras de arte de uma originalidade extasiaste.


Bandeja pertencente a Badr al-Din Li´Lu´mais tarde governador de Mossul, Iraque.

Cortina do sultão Mahumud II (1808-1839)

Bíblia impressa em Istambul por Khodja Nazar,1623


Manuscrito do Alcorão do XVII-XVIII

         A obra de Sarah Afonso é para mim sobejamente conhecida e por isso passei por ela como cão por vinha vindimada. Não há nestas palavras qualquer desmerecimento da obra, mas o sentimento que a artista não foi inovadora e a sensação que sempre tive de já a ter visto a sua pintura por aqui e por ali. Digamos que ela é síntese de uma arte que varreu os pintores entre os anos 30 e os 60 – a ilustração.

         Os artistas da joalharia, presentes no museu de Arte Moderna, também muitas das peças ali expostas eram já minhas conhecidas. Contudo, o que lá me levou foi o meu amigo Gordilho. Outro dia na Brasileira ele mostrou-me (no smartphone) a peça que a Gulbenkian possui e está logo à entrada, Torci o nariz, não me pareceu nenhuma criação digna desse nome, conhecendo coisas dele mil vezes melhores. Depois, diante da obra, disse para os meus botões: “aqui está como visitar museus é imperativo para o julgamento das obras e dos seus criadores”. A peça reflete uma época, é testemunho dela, e o artista teve a capacidade de a deter inteira na memória de um objecto banhado pela visão política e pessoal de Alberto Gordilho.

Joalharia de Alberto Gordilho


         - A Gulbenkian. Passei lá uma tarde inteira e foi como se tivesse aprisionado o tempo. Durante a minha adolescência, ela foi a minha segunda casa. Ia para lá de manhã ao encontro dos amigos que tinham o hábito de abancar no único restaurante que então existia, discutíamos muito política, arte, livros diante daquela janela que abrir para uma tela de Turner. De seguida assistíamos ao “pequeno concerto” no espaço ao lado. Tudo gratuito, cativante, magnífico a condizer com os desejos do senhor Gulbenkian e Azeredo Perdigão. O resto da tarde, era ocupada com passeios pelo jardim, colhendo as perspectivas floridas, os espaços de lazer, à sombra das copas largas do universo vegetal do museu, na expectativa de um espectáculo de dança ou concerto no grande auditório. Regressava a casa, na Rua do Salitre, a abarrotar de felicidade. Adormecia tarde, excitado por tudo quanto havia vivido, uma lágrima de emoção teimosamente, como uma pérola preciosa, a marcar o meu rosto aureolado do sonho oferecido por um homem extraordinário que veio de longe para morrer nos braços de um país que o soube cativar.