Terça,
13.
Tenho
uma pilha de livros para ler. Folheio alguns deles ao acaso na avidez de
conhecer o seu conteúdo, e fecho-os mordido de remorsos e revoltado contra o
tempo que não chega para o muito que tenho para fazer. Mas primeiro vou ter de
acabar as mil e tal páginas que constituem os Pensamentos de Blaise Pascal e o primeiro volume do Diário de Virginia Woolf - ambos de um
interesse fascinante. Além de andar a atascar-me do sémen das palavras na obra
de Saul Bellow.
- Para grande satisfação do Governo e
dos patrões (e já agora do CDS), a requisição civil foi posta em marcha. Quer
um quer outros, têm interesses em alimentar a actual situação e quiçá o
ministro da Segurança Social e do Trabalho (escudado pela mulher e a filha, o
cão e gato está tudo no poder) não se coíbe de fazer ameaças aos trabalhadores
– os futuros grevistas que se acautelem, o colete de forças contra as
conquistas que começaram no final do século XIX está fracturado. Uma coisa é
certa, o direito à greve consagrado na Constituição em Portugal, é cada vez
mais arrogância e prepotência dos senhores que o voto popular permitirá, se
lhes dermos a maioria, amordaçar. Eu
sempre ouvi dizer ao mundo empresarial que era melhor ter os socialistas no
poder que a direita ou o PCP. A prova está à vista. Mas talvez o PS que procura
a todo o custo governar com conforto, se vá tramar. Os trabalhadores que somos
todos nós, no momento de votar, lembrar-se-ão que se isto é sem maioria, que
será com ela! E recordarão ainda, que foi com a maioria PS de José Sócrates,
que a ladroagem se instalou, os grandes negócios se fizeram, os bancos
traficaram tudo o que quiseram e a troika se instalou.
- O português refinado que se fala nas
televisões, atira-se à moda expressiva cuja escola nasce nos ciclos cultos do
jornalismo e da piroseira nacionais. Antes, diziam a propósito de tudo e nada
“é fantástico”, depois apareceu de repente “icónico”, agora tudo é “resiliente”
a tal ponto que até as “terras são resilientes”. Isto para não falar na
quantidade de neologismos, do inglês a atropelar e a anular o português,
apregoados uns e outros com a sabedoria de quem acabou de se formar em Linguística.
Devia haver um grupo de gente entendida na matéria que esclarecesse esta gente
televisiva inculta da importância e valor do português como identidade e raiz
de todos nós. Até porque hoje já pouco se lê ou lesse à moda de Marcelo 8
livros por mês.
- Ventos alísios sacodem a vinha já
formada. A beleza do movimento, como uma onda sobre o mar de verde vivo onde os
tons trazidos pela luz suspensa do céu, oferecem um doce encanto para os olhos
e espírito. Quedo-me todos os dias ao fim da tarde, a admirar este chão vegetal
que parece ampliar-se quando o vento passa e as inflexões de cor mudam à sua
passagem. É o meu espaço de evasão, a hora exacta e extática para me sentir
alguém, sombra incerta, cul-de-sac,
porto de chegada ao meu destino...
- Os meus amigos da irmandade do
Chiado, porque a palavra passou de boca em boca, telefonaram-me a apoiar e a
incitar a não dar importância ao Corregedor. “Já sabes como o gajo é! Não
ligues e aparece!” Assim farei porque sou sensível ao apelo da amizade, mas não
me vou envolver nunca mais nas histórias da política suja e radical, quero
dizer, à portuguesa.
- O meu leitor, mesmo nos confins do
mundo, em Angola onde vive, não deixa de me ler. Sendo africano, insurgiu-se
com o facto de eu distinguir o passageiro que me coube por companheiro no
Fertagus (leia-se Segunda-feira, 5 deste mês) por negro. Segundo ele, a prosa
devia ser esta (transcrevo tal qual): “Porquê não escreveste que vinhas no comboio junto de alguém que cheirava
mal! Era preciso dizer que era negro, azul, ou amarelo ? » Esta
questão levanta muitas outras. Mas eu compreendo a reprovação, sobretudo porque
chega de alguém que é africano, embora não esteja implícito no meu texto nenhum
laivo de racismo ou xenofobia, antes pelo contrário. Que o Carlos me desculpe,
mas há na sua observação uma recusa de condição racial que a mim não me
surpreende, mas espanta. Tomemos outros exemplos. Quem coxeia não deve
ofender-se pelo facto de ser como é, quem não ouve também não, quem é anão, o cristão
deve assumir e levar a cruz de Cristo pela vida fora e assim por diante. O
mesmo se passa com os continentes. É notado um branco (que os africanos por
sinal chamam pulas) num território de negros
e vice-versa, um árabe na Europa, um chinês, um judeu, enfim, raças não
faltam e a sua riqueza é indispensável à harmonia do todo em qualquer parte de
vasto mundo de Deus, sendo a sua originalidade a beleza que os distingue. O
problema são os ódios que incendeiam, desvirtuam a essência das palavras,
introduzem a repulsa, isolam e expulsam a natureza de cada um para zonas
inóspitas onde a tolerância, a fraternidade, e o ser humano enquanto tal foi
aniquilado. Um exemplo que julgo já aqui ter contado. Um dia, indo eu a descer
o Chiado, ia à minha frente um grupo escolar, constituído por três brancos e
dois pretinhos muito bonitos. Os brancos, dando pontapés nas canelas dos africanos,
diziam: “Anda preto!” Os miúdos da dianteira riam e a festa e cauboyada alastrava
a todos. É esta inocência, esta disponibilidade franca e aberta ao outro que
devemos cultivar, chamando pelos nomes próprios e sem vergonha de ser preto,
branco, amarelo, mulato, albino ou outra qualquer designação. Porque eu posso
ofender profundamente um africano ou um branco, sem olhar à cor da pele – é o
que fazem os políticos quando nos agridem com luvas em nome dos votos que
tiveram e da ordem, da paz social e do que chamam o interesse público. São
educados, mas de uma forma cínica e hipócrita. Prefiro ser pontapeado.