Sábado,
3.
Durante
uns cinco dias, ouvi a luta de um pássaro na chaminé. Quando estava para chamar
pelo socorro, ele desceu e esperou no vidro da lareira que alguém o libertasse.
Era desta vez um mocho de grandes olhos brilhantes e penas cinzentas onde havia
uns verdes lindíssimos. Falei com ele, acalmei-o, e por fim retirei-o da
lareira fazendo-lhe festas. Pu-lo lá fora sobre a roda de pedra e, em vez de
evolar, ficou por instantes a olhar-me, agradecido.
- A calmaria das regas pela fresca!
Sentimento íntimo de que o tempo nos envolve na doce melopeia das manhãs
claras, no êxtase que nos suspende irmanando-nos com a natureza descida do fio
divino que tudo impregna, equânimes!
- Para estragar o dia, vou meter a
política, no sentido em que Lenine dizia se queres destruir religião, faz
entrar nela a política. Falo das incompatibilidades dos governantes. É claro
que nenhum partido quer alterar o status
quo. A prova está nas afirmações do Ministro dos Negócios Estrangeiros e na
confiança e certeza que ele tem nos seus camaradas. Para ele os familiares -
filhos, sobrinhos, primos – que até não fazem parte da equipa governamental e
têm negócios nos antípodas dos que o Estado costuma contratar, não devem sofrer
por isso. Monsieur La Palice encarnado no ministro. O facto é este: neste
executivo há pelo menos três ministros donos de empresas com contratos assinados
com entidades do Estado: Pedro Nuno dos Santos, Francisca Van Dunen, Graça
Fonseca para não falar de Artur Neves cujo pai é Secretário de Estado. A mim
pareceria mais sólido e lógico e limpo que nenhum membro do Governo pudesse
contratar empresas chegadas aos seus interesses familiares. A política
ensina-nos muito. Quando é o Estado a avançar com coimas, avisos, normas,
repreensões, nunca confia nos cidadãos e despreza-os no momento da verdade.
Primeiro a palavra do Estado, depois a dos cidadãos. Sérios são os políticos, o
povo é uma corja de aldrabões, sugadores do fisco, sempre em manobras para
escapar às suas responsabilidades cívicas.