sábado, agosto 03, 2019

Sábado, 3.
Durante uns cinco dias, ouvi a luta de um pássaro na chaminé. Quando estava para chamar pelo socorro, ele desceu e esperou no vidro da lareira que alguém o libertasse. Era desta vez um mocho de grandes olhos brilhantes e penas cinzentas onde havia uns verdes lindíssimos. Falei com ele, acalmei-o, e por fim retirei-o da lareira fazendo-lhe festas. Pu-lo lá fora sobre a roda de pedra e, em vez de evolar, ficou por instantes a olhar-me, agradecido.

         - A calmaria das regas pela fresca! Sentimento íntimo de que o tempo nos envolve na doce melopeia das manhãs claras, no êxtase que nos suspende irmanando-nos com a natureza descida do fio divino que tudo impregna, equânimes!


         - Para estragar o dia, vou meter a política, no sentido em que Lenine dizia se queres destruir religião, faz entrar nela a política. Falo das incompatibilidades dos governantes. É claro que nenhum partido quer alterar o status quo. A prova está nas afirmações do Ministro dos Negócios Estrangeiros e na confiança e certeza que ele tem nos seus camaradas. Para ele os familiares - filhos, sobrinhos, primos – que até não fazem parte da equipa governamental e têm negócios nos antípodas dos que o Estado costuma contratar, não devem sofrer por isso. Monsieur La Palice encarnado no ministro. O facto é este: neste executivo há pelo menos três ministros donos de empresas com contratos assinados com entidades do Estado: Pedro Nuno dos Santos, Francisca Van Dunen, Graça Fonseca para não falar de Artur Neves cujo pai é Secretário de Estado. A mim pareceria mais sólido e lógico e limpo que nenhum membro do Governo pudesse contratar empresas chegadas aos seus interesses familiares. A política ensina-nos muito. Quando é o Estado a avançar com coimas, avisos, normas, repreensões, nunca confia nos cidadãos e despreza-os no momento da verdade. Primeiro a palavra do Estado, depois a dos cidadãos. Sérios são os políticos, o povo é uma corja de aldrabões, sugadores do fisco, sempre em manobras para escapar às suas responsabilidades cívicas.