Domingo,
25.
José
Cid ganhou o grammy Latino. É
merecido. O homem é extraordinário, excelente músico, cabeça desempoeirada,
livre de espírito, desalinhado qb. Fomos colegas no Camões, em Coimbra. Enfim,
forma de falar, porque na verdade duvido que ele tenha concluído o sétimo ano
de liceu. Raramente o via no lar do colégio já doido pela música e a banda que
julgo tinha nessa altura. Mas disto e muito mais já aqui falei. As suas canções
são imortais. Sobretudo quando comparadas com as que do Festival da Canção de
uma mediocridade alarmante, que já não passam em lado nenhum nem são trauteadas
por ninguém.
- A propósito. Outro dia, ao serão,
tendo adquirido num alfarrabista um CD de Zeca Afonso, talvez das primeiras
coisas que ele cantou, Fados de Coimbra,
para a etiqueta Orfeu, passei um momento sereno com o coração em frémitos de
emoção. Na realidade, enquanto o escutava, tinha vinte anos, subia e descia as
ruas estreitas da Cumeada à Baixa da cidade, lavava os olhos no rio Mondego,
sentava-me num café frequentado por Torga e Lentes da universidade, mergulhava
no bairro dos chineses, naquele labirinto de lojas minúsculas que serpenteia
uma vasta zona do centro e me deixou ao fim de muito caminhar colado à igreja
de Santa Cruz. Depois veio o domingo, um dia abafado de calor, quando
decidimos, eu e mais dois camaradas, tentar estrearmo-nos nos prazeres da carne
que se ofereciam por pouco dinheiro no Terreiro da Erva. As casas escuras, de
cortinas rotas, com escadas de madeira carcomida, a sala de espera com algumas
fotos das mulheres de “vida fácil”, aquela atmosfera de homens gordos,
vermelhos de ansiedade, possantes de respiração de quem parece saltar-lhe o
coração do peito, o odor merdoso, por fim o quarto que se desnuda, a cama, o
suor em bica, o tremor do corpo, o colchão que divide os costados, o espanto, a
incerteza, a ansiedade, a pletora de palavras sussurradas, o vazio...
- A Amazónia está a arder há duas
semanas sem que Bolsonaro tenha feito o que o cargo o obriga a fazer. Ante os
protestos das esquerdas que assumiram a defesa do Planeta, das ONG que
proliferam por todo o lado, alimentadas por somas fabulosas que orientam a vida
airada de muita gente; ante os avisos de Chou Chou que prometeu levar o caso ao
G7, o Presidente, qual Trump brasileiro, alimenta desconfianças quanto às
teorias do buraco de ozono na base do qual estão todos os exageros da
humanidade. Eu estou de acordo. Fico do lado da esquerda que, perdidas as
ideologias, abortadas as ditaduras, abatido Deus, com pouco ou nada que as
distinga da direita, entregam-se agora à salvação da terra. Fazem-no, todavia,
proclamando uma utopia. Viu-se isso na crise recente dos combustíveis.
Imagine-se o que aconteceria se disserem aos portugueses que endeusam o
carrinho, que o tinham de pôr de lado! Cada um combate nos nossos dias sem
pensar, indo na enxurrada das notícias que por sua vez não se interrogam,
servindo-se dos meios de comunicação como vasos comunicantes, alimentados pela
indústria poderosa que compra a opinião pública através dos seus empregadotes
destacados nos canais de televisão, junto dos políticos, dos parlamentos, etc.
Porque a questão está a montante e não a jusante. Quem a esquerda devia atacar
era a grande indústria, o consumo desenfreado, a produção inútil, a moda que se
desmoda logo que aparece (para citar Jean Cocteau), a loucura da abastança, dos
lucros escandalosos e criminosos, etc. etc.
- Os nossos amigos chineses, mantêm a
defesa da democracia invadindo todos os fins-de-semana as ruas de Hong Kong. Já
chegam a dois milhões e meio. Primeiro começam pacificamente, depois enfrentam
com denodo a carga policial e a violência instala-se. O que ali se passa, é
fundamental para o futuro; não só para o seu, como para a sorte de todos nós. Vejo
com orgulho que eles me leram... Pois já aqui preconizei a invasão das ruas e
avenidas por manifestantes sentados no chão. É o que eles estão fazendo.