Quinta, 5.
São às centenas os idosos forçados a
deixar as suas casas ao abrigo da lei de arrendamento trabalhada pela rainha das
mães, Assunção Cristas. Uma pergunta indiscreta: quantos prédios e andares
possui a dita senhora em Lisboa? Seria interessante saber-se. Eu podia adiantar
um número.
- O cuco já chegou. De tarde pôs-se a saudar-me inundando o espaço com o
seu cântico ininterrupto. O Verão não tarda.
- Todavia, é já a Primavera que se achega. As árvores estão todas
floridas, as plantas rebentam de cor, todo o vasto espaço toma os aromas dos
frutos e das flores. Esta altura do ano é a mais robusta, transmitindo-nos
alegria e vontade de viver, força e criatividade. O céu dá de quando em vez um
ar de Verão com laivos quentes a estenderem-se no largo lençol azulado que nos
cobre de infinita serenidade. Até o silêncio parece espargir a doce e terna
sensação de nos cobrir sob o seu manto benfazejo. Um verde intenso cobre todos
os lugares e convida a colónia de formigas, répteis, coelhos a estenderem-se
felizes ao sol das pradarias tumulares onde os desaparecidos se associam num
cântico irmanado entre vivos e mortos. Como se a memória desta Primavera
repolhuda, não fosse mais do que a continuação de outras quando na terra todos
os seres humanos viviam à sombra de uma tardia eternidade.