Quarta, 11.
Prosseguindo. Chegando ao destino
(Buraca), encontrámos o nosso artista, aonde? No restaurante, claro. Estava
acompanhado pelo Guilherme, Carlos R. Pinto, Alexandre. Como já vínhamos almoçados,
cingimo-nos a dois dedos de conversa e logo de seguida entrámos no atelier que
fica a alguns metros dali, numa enfiada de prédios, digamos, nada simpáticos.
Sobre a mesa rectangular e longa, estavam para cima de duas dúzias de telas
pintadas por António Segurado como se contassem a história de um grupo que se
encontra com frequência no Príncipe e irradia como destino e condição, serem
artistas: escultores, pintores, escritores, jornalistas, fotógrafos,
arquitectos... Dos presentes, todos deitaram um olho mais ou menos satisfeito
sobre as suas caras metades (se me permitem exprimir-me assim). Eu, para não
destoar do que alguns deles dizem de mim, fui o único que barafustei. Fi-lo de
tal modo, que transformei a tarde numa comédia cheia de riso e chacota. António
objectava que eu não me dispus a posar, que se baseara numa foto que me tirou
no restaurante, que quis corresponder ao que eu havia vaticinado sobre o resultado
do seu trabalho. Com efeito, alguns há que estão parecidos, embora o artista,
do ponto de vista artístico, por comichão me faça coçar o nariz... O leitor
dirá, observando com distracção a foto que aqui reproduzo. Diga-me se ela não
saiu directamente de uma personagem dos filmes de Al Capone ou se este será o
fantasma de mim mesmo que o meu amigo com magistral visão antecipa...
- O Paulo deixou-nos na rotunda da Gulbenkian. Subimos a avenida e
entrámos no Corte Inglês para mais dois dedos de conversa. Imaginem do que se
falou? Disso mesmo – política. João é aquilo a que se costuma chamar “um animal
político”. Eu estou quase sempre de acordo com ele, mas quando não estou tenho
de romper por entre o seu entusiasmo para depositar algures nas bordas das suas
certezas a minha opinião. Seja como for, foram momentos vivos à mesa do pequeno
espaço de chá do primeiro andar. O homem é sedutor, cavalheiro, simpático e
amigo do seu amigo. Nos dias de hoje, é uma ave rara que convém manter contra
ventos e marés do egocentrismo colectivo.
- Estou numa luta com as Finanças para entregar o meu IRS. Aconteceu ter
vendido o ano passado o resto da fantasia que me garantia a riqueza, na forma especulativa
de umas quantas acções da Cimpor que comprei há vinte anos. Primeiro tentei
preenchê-lo em casa via internet. Como o sistema não aceitava os dados que
eu fornecia, fui ao fisco aqui de Palmela. O funcionário que me atendeu disse
que não me podia ajudar, que fosse eu “não sei aonde”. Despachei-me para a
minha antiga repartição de Lisboa que por sua vez me expediu para o Parque das
Nações - a sede central da máquina diabólica. Ali comecei a aproximar-me do
olho inquiridor, que me perguntava quando e por quanto havia eu tido a
veleidade de ser rico. Para responder com um intervalo tão grande de loucura,
dirigi-me à CGD que me forneceu a resposta. De volta à Expo, a senhora amável
que me recebeu, ante as incertezas, disse que dissesse eu um preço por acção.
Fui lesto – um euro. Quando concluímos o documento, o sistema que nos vigia
noite e dia, aceitou... com reserva. Bom. Com isto fui todos os dias a Lisboa e
volto lá amanhã, mas para estar com o António Carmo que me reclamou a presença.
Enfim, antes com ele que com o diabo que em vez de perseguir os políticos
corruptos, os gestores gananciosos, os mafiosos novos-ricos do pós-25 de Abril,
os jogadores de futebol hábeis a fugir ao fisco, acossa os honrados cidadãos que
vivem no limiar da decência.