terça-feira, janeiro 30, 2018

Terça, 30.
Ontem, à mesa da Brasileira, a discussão ocorreu elevada. Como a semana passada não pude ir um único dia a Lisboa, o António Carmo telefonou a perguntar-me se tinha morrido. Decerto fez o mesmo com os demais amigos, porque apareceram tantos que tivemos de ocupar várias mesas. Grande debate sobre a obra de Aquilino Ribeiro. Eu disse a dada altura que o transmontano não poupa a Igreja em muitos dos seus livros, logo o simpático arquitecto corroborando da minha afirmação acrescentou que não era menos verdade que o autor de Quando os Lobos Uivam tinha um sentimento profundamente religioso. Profundamente não sei. O que talvez fosse natural atendendo ao facto de ter passado alguns dos melhores anos no seminário. Depois, sem programa estabelecido, passámos ao recorte de muitas das suas fabulosas personagens. Aquilino deixou-nos na realidade uma paleta de figuras que perduram através dos tempos e chegam até nós intactas na caracterização que delas faz o escritor. Muitas ainda aí andam, religiosos e políticos, como legado para os autores vindouros continuarem a desconstrução do que nos pretendem ocultar. Forma de falar. Em verdade a literatura vigente, não constrói nenhuma figura nem os “escritores” sabem fazê-lo, como os actores  não sabem encarnar os papéis que lhes cabe representar. A literatura de hoje, salvo raras excepções, é blá blá de esplanada. Quero dizer, não se passa nada.

Mais tarde, no Príncipe, onde abancámos e a nós se juntou o Paulo Santos, Alexandre e o pide africano, do nada, a pretexto de o Paulo e eu agendarmos uma ida a Alenquer conhecer o museu Damião de Góis, o Irmão, misturando tudo, fazendo-nos subir do Sul ao Norte de Portugal, vimo-nos em pleno século XIX às voltas com o Liberalismo, o charmoso D. Miguel e a perversa mãe D. Carlota Joaquina. Uma discussão nasceu em torno destas personalidades. D. Carlota, pelo seu carácter e influência que teve sobre o filho mais novo, o jogo que fez com D. Pedro, é para mim uma personagem de romance. Muito riso e cumplicidade entre o Paulo e eu que, sendo guia turístico em muitas alturas da sua vida, tem frescos os acontecimentos maiores da arte e da cultura nacionais. Terminei a tarde no atelier do Guilherme na companhia do Carlos, rememorando amigos, situações, acontecimentos ligados à pintura e à vidinha de certos senhores hoje montados no palanque da democracia e, naturalmente, muito democratas. Carlos despejou meia garrafa de uísque.

         - A dança das editoras que eu pensava terminada, voltou. Nova proposta me foi feita obrigando-me a responder deste modo.

Cara R. C.,

Surpreende-me o seu e-mail, mas como sou educado, respondo sempre a quem me escreve mesmo aos leitores do blogue que são inúmeros e com temas que por vezes me dizem muito pouco.

Eu julgo que pertence à C. E.. Acontece que pensei que tinha ficado claro na excelente e franca conversa que tive com o seu colega L. R., Director de Edição, que as condições que me propuseram não me interessam. É como se os trabalhadores do mundo inteiro, de repente, tivessem de pagar para trabalhar. Eu dediquei dois anos da minha vida à concepção de “O Pesadelo dos Dias Felizes” e 20 anos à realização de “O Rés-do-Chão de Madame Juju”, trabalho há um ano em O Juiz Apostolatos. Veja se compreende. Não tenho qualquer luxo ou vaidade em me ver editado, o meu trabalho literário é sagrado e como tal deve ser respeitado e... venerado. Estes são o décimo e décimo primeiro títulos que escrevi. Pertenci ao Conselho de Leitura de uma editora respeitada, conheço o mundo editorial. Portanto...

Cordiais saudações.
Helder de Sousa


         - O polvo estende os seus tentáculos por todo o lado. Só hoje centena e meia de agentes da Judiciária andaram a fiscalizar residências, casas, escritórios, centrais de advogados em busca de material que autentique a corrupção que por aí anda à solta. Em causa está o juiz Rui Rangel, José Veiga (olha que tais!), Luís Filipe Vieira entre muitos iluminados do futebol. Sobra ainda dois membros do governo José Sócrates cujos nomes a Procuradoria não divulgou, acusados de peculato. Grande dia para os homens da Polícia Judiciária às ordens da impoluta Procuradora Joana Marques Vidal. Espero que em breve passem uns dias a fiscalizar as câmaras e juntas de freguesia hoje transformadas em centrais do suga-suga.