domingo, janeiro 28, 2018

Domingo, 28.
As celuloses não só nos levaram as árvores, como agora nos poluem os rios. As populações reclamam, as evidências não oferecem dúvidas, só o Governo parece esperar para ver. Mas ver o quê? Ora! Que tudo se acalme e as águas continuem a correr debaixo das pontes dos interesses instalados. Que se dane o Planeta, desde que as grandes indústrias tenham lucros bastantes para alimentar a ganância dos accionistas.

         - Novo atentado no Afeganistão. As organizações criminosas alternam: ora a Al-Qaeda, o Daesh ou taliban. Desta vez coube à última fazer explodir uma bomba escondida numa ambulância. Morreram pelo menos 98 pessoas e ficaram feridas 158. Cabul tinha sido o cenário há uma semana de outro terror.

         - O filme Chama-me pelo Teu Nome de Luca Guadagnino que hoje fui ver ao C.I. na sequência do encontro com o Carlos Rodrigues de férias em Portugal para conhecer a filha que nasceu o mês passado. Não vou dizer que seja medíocre, antes que havendo da parte do realizador um percurso “à Visconti”, fica muito aquém. A leitura é esta: um professor americano vem passar um tempo numa pequena localidade de Itália, em casa de um colega que vive com a mulher e o filho sobredotado de 17 anos. Depressa se percebe que os dois vão-se envolver. O rapaz apressa-se, o professor arrefece-o. Até ao dia em que ambos caiem nos braços, que digo eu, na cama um sobre o outro. E aí o filme entra para a categoria Y. Vamos assistir a tudo e a mais alguma coisa, incluindo cenas de pura pornografia, de muito mau gosto por sinal, impensável nos filmes do autor de A Morte em Veneza, cuja sensibilidade, inteligência e arte nos empolgava. O guião é de James Ivory tirado do romance de André Aciman. Não posso julgar porque não conheço a obra. O que sei é que hoje quer os encenadores teatrais, quer os realizadores, gostam de esfrangalhar as obras escritas reinventando a seu bel-prazer. No final, incluindo os estereótipos usuais no tema, a coisa não passa da história de duas bichas malucas. Fica, todavia, um momento bem narrado quando o pai que assistiu ao romance do filho com o namorado americano, vendo-o triste com a partida do invasor, diz-lhe que não lamente o que viveu como ele havia feito no seu tempo de jovem. A revelação da sua homossexualidade ao filho, numa linguagem envolvente e humana, é, talvez, o único momento interessante do filme. À parte, para mim que gosto de casas de campo, a mansão que em muitos aspectos se assemelha a esta e a paisagem. Mas não há nenhuma similitude entre Tadzio de A Morte em Veneza e este Elio vulgar e emporcado.

         - A minha padeira, mulher trabalhadora e honesta, contou-me mais um episódio da nossa amada Câmara de Palmela. Há tempos quis trasladar o corpo de uma criança da família para o cemitério daqui e falou com a junta de freguesia e a câmara para fazer a operação. A quantidade de papéis requeridos, a confusão, a trapalhada era tanta que ela desanimou. Foi quando uma amiga que tinha passado pelo mesmo lhe recomendou fosse falar com a casa mortuária que em menos de nada tinha o assunto resolvido. Assim foi, mas teve que pagar o conluio e as respectivas luvas aos funcionários municipais. O cangalheiro apenas exigiu: tchiu! Quando lhes for dada a largueza das operações, presidentes de juntas e câmaras, vão esfregar as mãos de contentamento e os bolsos sem fundos vão insuflar até rebentar. Viva a autonomia!


         - Nestas terras pequenas, quem se abeirar das câmaras ou das juntas de freguesia, verificará a quantidade de funcionários que vegetam por espaços reduzidos, a conversa interminável entre eles, a calma da vida ronceira pautada pela pacatez dos temas trazidos de véspera das televisões, a narrativa dos filhos num copioso enleio onde se mistura a gracinha do menino e a birra da menina, como se pertencessem a uma grande família dispersada numa história comum, que o munícipe vem perturbar com os seus problemas mesquinhos, que só a eles dizem respeito. Não há um sorriso, uma compenetração das suas responsabilidades, e todo o harém de mulheres e poucos homens, está sob a alçada de um chefe que elas veneram porque lhes soube incutir que a lei deve ser aplicada indiscriminadamente e nem precisam de estudar o dossier, basta gritarem com voz de homem, elas, e terna, eles: “É a lei. Não discuta!” Ao cidadão não resta mais nada do que sair de rabo murcho e revolta esmagada.