sexta-feira, janeiro 26, 2018

Sexta, 26.
Ainda acerca do que disse ontem. A verdade é esta: olho para tudo isto, para toda esta gente infeliz não digo com desprezo, mas com altiva indiferença. Os grandes revolucionários, aqueles que apelidamos de criminosos e jihadistas, nascem deste olhar turvo sobre a sociedade. Inconformistas, incapazes de fazer frente a um mundo conspurcado pela baixa política, pelo arrivismo, pela indecência das relações assentes no oportunismo e na hipocrisia, fecham-se, recolhem-se, abismam-se num sofrimento profundo que os atira para fora da sociedade e os transforma em círios de revolta e sentida mágoa. Na Europa onde vivem, mas também num outro qualquer continente, sentem o mesmo tumulto, o mesmo estado de lactência psicológica que os leva à acção violenta ou ao isolamento. Como se o que está exterior a eles, fosse o reino da inacessibilidade social de que não querem fazer parte, que abominam as suas leis, os seus modos de vida, a sua praxis. Paulatinamente, os novos déspotas, foram substituindo o sentimento religioso, pelos prazeres abusivos do dinheiro e da escravidão sexual, somados à suavidade quotidiana de elementos efémeros que não exigem nenhum esforço mental nem estudo aturado, mantendo-se no reino democrático da cultura sem fundamentos nem filosofia que a sustenha. Trataram da parte exterior do indivíduo, esquecendo-se do lado interior de onde saem as atitudes e os movimentos que agitam e são pela sua natureza intrínseca transformadores. O ser humano é na sua essência um ser votado ao silêncio interior, lá onde mora o murmúrio que não se ouve do lado de fora, e trabalha sem descanso na manutenção dos alicerces que harmonizam e suavizam o homem dando-lhe a dimensão divina que traz à nascença. Criaram uma sociedade fundada na banalidade, no divertimento, na ideia de que somos todos iguais sob a bandeira da República que os gregos criaram à saída de um mundo de escravatura e guerras contínuas. O problema é quando paramos para pensar e somos levados a concluir que vivemos num engano, que estamos a retornar à sociedade lúgubre das cavernas, dominada por vermes, que nos querem transformados em primatas, criaturas que eles subjugam sem piedade. Ou em crianças entretidas com os brinquedos de plástico, os heróis de papel ou as fantasias que agrupam num mesmo interesse as multidões embrutecidas pela propaganda televisiva, as ideologias falidas, as democracias poderosas que oligarquias partidárias comandam a seu bel-prazer. Sem Deus, sem cultura, sem pensamento, abandonados à sociedade de consumo que produz em quantidade e igualdade, não nos damos conta que acima de nós existe um pequeno mundo de novos-ricos que manda fazer por encomenda, peça única, aquilo que multidões alienadas possuem em quantidades estupidamente horrorosas, programadas para funcionar num período de tempo limitado, e são felizes com o entulho que os ricos põem à porta das suas mentes anquilosadas pelo vazio, a rotina, a igualdade, a satisfação pessoal e a vaidade de tanta inutilidade que pretensamente dá dignidade e importância a quem a não tem. No tempo em que havia artistas lúcidos, à margem da igualdade e dos preceitos morais e políticos, o mundo tinha neles os olhos e a mente, porque eles eram o garante da liberdade de espírito, da conservação do ser singular, feito um a um pelo Criador, e não em manada como a medicina cada vez mais desumana hoje quer fazer querer. Só um espírito solitário, revoltado, inconformado pode ser garante de uma sociedade livre, onde rolem as ideias e os ideais enquanto sentinelas contra os prepotentes que se abrigam atrás das democracias e são por isso mais perigosos que as ditaduras.

         - Olhem aquelas sinistras figuras em Davos! Que grupo de mentirosos, arrogantes, vaidosos. Ver a fraqueza das democracias rendidas aos poderosos das grandes empresas, do grande capital que os fintam, os gozam, impõem-se, subjugam, desorientam a massa de trabalhadores retirando-lhe um século de conquistas, na mira da escravidão como se a humanidade não tivesse avançado e no mundo não devesse haver lugar para todos na distribuição equitativa e humanizada da riqueza! O que não dizem é que só 1% da população toda, detém a mesma riqueza dos 90% restantes. Foi o que disse há dias a organização não-governamental britânica Oxfam. Ou seja, 62 pessoas acumulam 50% da riqueza mundial. Desta desigualdade não falam eles e quando falam é para acreditarem que nós acreditamos neles. Que vígaros!

         - Como aquele que governou relativamente bem o Brasil, Lula da Silva. Governou e governou-se. Desde sempre que recaíam suspeitas sobre o ex-Presidente do Brasil. Ao menu do crime, está a residência fabulosa que ele diz não lhe pertencer, mas ser propriedade de não sei quem. Como José Sócrates quando viveu em Paris, a estudar francês e aprender piano, no “16ème”, em casa do seu protector, Carlos Santos Silva. Lula diz como Sócrates que é perseguição política. Esta da “política” dá para tudo e, sobretudo, para ilibar e proteger os criminosos e os corruptos. Para se vingar, o ex-governante, quer candidatar-se de novo à presidência, ainda que lhe tenham tirado o passaporte, não poder sair do Brasil e lhe terem aumentado o tempo de prisão. Se o Brasil deixa escapar esta oportunidade de fazer justiça justa (passe o pleonasmo), perde definitivamente todo o respeito dos seus cidadãos e dos países verdadeiramente democráticos.


         - O frio reinstalou-se. Depois de semanas sem acender a lareira ou os caloríficos, eis que hoje nada faltou para fazer face ao arrefecimento da temperatura a que se juntou um vento gélido: duas lareiras acesas desde as cinco da tarde no salão e na cozinha, o aquecedor eléctrico no quarto. Os chineses, em companhia do senhor Mexia, esfregam as mãos de frio, perdão, de contentamento.