Sexta,
26.
Ainda
acerca do que disse ontem. A verdade é esta: olho para tudo isto, para toda
esta gente infeliz não digo com desprezo, mas com altiva indiferença. Os
grandes revolucionários, aqueles que apelidamos de criminosos e jihadistas,
nascem deste olhar turvo sobre a sociedade. Inconformistas, incapazes de fazer
frente a um mundo conspurcado pela baixa política, pelo arrivismo, pela
indecência das relações assentes no oportunismo e na hipocrisia, fecham-se,
recolhem-se, abismam-se num sofrimento profundo que os atira para fora da
sociedade e os transforma em círios de revolta e sentida mágoa. Na Europa onde
vivem, mas também num outro qualquer continente, sentem o mesmo tumulto, o mesmo
estado de lactência psicológica que os leva à acção violenta ou ao isolamento. Como
se o que está exterior a eles, fosse o reino da inacessibilidade social de que
não querem fazer parte, que abominam as suas leis, os seus modos de vida, a sua
praxis. Paulatinamente, os novos
déspotas, foram substituindo o sentimento religioso, pelos prazeres abusivos do
dinheiro e da escravidão sexual, somados à suavidade quotidiana de elementos
efémeros que não exigem nenhum esforço mental nem estudo aturado, mantendo-se
no reino democrático da cultura sem fundamentos nem filosofia que a sustenha. Trataram
da parte exterior do indivíduo, esquecendo-se do lado interior de onde saem as
atitudes e os movimentos que agitam e são pela sua natureza intrínseca
transformadores. O ser humano é na sua essência um ser votado ao silêncio
interior, lá onde mora o murmúrio que não se ouve do lado de fora, e trabalha
sem descanso na manutenção dos alicerces que harmonizam e suavizam o homem
dando-lhe a dimensão divina que traz à nascença. Criaram uma sociedade fundada
na banalidade, no divertimento, na ideia de que somos todos iguais sob a
bandeira da República que os gregos criaram à saída de um mundo de escravatura
e guerras contínuas. O problema é quando paramos para pensar e somos levados a
concluir que vivemos num engano, que estamos a retornar à sociedade lúgubre das
cavernas, dominada por vermes, que nos querem transformados em primatas, criaturas
que eles subjugam sem piedade. Ou em crianças entretidas com os brinquedos de
plástico, os heróis de papel ou as fantasias que agrupam num mesmo interesse as
multidões embrutecidas pela propaganda televisiva, as ideologias falidas, as
democracias poderosas que oligarquias partidárias comandam a seu bel-prazer. Sem
Deus, sem cultura, sem pensamento, abandonados à sociedade de consumo que
produz em quantidade e igualdade, não nos damos conta que acima de nós existe
um pequeno mundo de novos-ricos que manda fazer por encomenda, peça única, aquilo
que multidões alienadas possuem em quantidades estupidamente horrorosas,
programadas para funcionar num período de tempo limitado, e são felizes com o
entulho que os ricos põem à porta das suas mentes anquilosadas pelo vazio, a
rotina, a igualdade, a satisfação pessoal e a vaidade de tanta inutilidade que
pretensamente dá dignidade e importância a quem a não tem. No tempo em que
havia artistas lúcidos, à margem da igualdade e dos preceitos morais e
políticos, o mundo tinha neles os olhos e a mente, porque eles eram o garante
da liberdade de espírito, da conservação do ser singular, feito um a um pelo
Criador, e não em manada como a medicina cada vez mais desumana hoje quer fazer
querer. Só um espírito solitário, revoltado, inconformado pode ser garante de
uma sociedade livre, onde rolem as ideias e os ideais enquanto sentinelas contra
os prepotentes que se abrigam atrás das democracias e são por isso mais
perigosos que as ditaduras.
- Olhem aquelas sinistras figuras em
Davos! Que grupo de mentirosos, arrogantes, vaidosos. Ver a fraqueza das
democracias rendidas aos poderosos das grandes empresas, do grande capital que
os fintam, os gozam, impõem-se, subjugam, desorientam a massa de trabalhadores
retirando-lhe um século de conquistas, na mira da escravidão como se a
humanidade não tivesse avançado e no mundo não devesse haver lugar para todos
na distribuição equitativa e humanizada da riqueza! O que não dizem é que só 1%
da população toda, detém a mesma riqueza dos 90% restantes. Foi o que disse há
dias a organização não-governamental britânica Oxfam. Ou seja, 62 pessoas
acumulam 50% da riqueza mundial. Desta desigualdade não falam eles e quando
falam é para acreditarem que nós acreditamos neles. Que vígaros!
- Como aquele que governou
relativamente bem o Brasil, Lula da Silva. Governou e governou-se. Desde sempre
que recaíam suspeitas sobre o ex-Presidente do Brasil. Ao menu do crime, está a
residência fabulosa que ele diz não lhe pertencer, mas ser propriedade de não
sei quem. Como José Sócrates quando viveu em Paris, a estudar francês e
aprender piano, no “16ème”, em casa do seu protector, Carlos Santos Silva. Lula
diz como Sócrates que é perseguição política. Esta da “política” dá para tudo
e, sobretudo, para ilibar e proteger os criminosos e os corruptos. Para se
vingar, o ex-governante, quer candidatar-se de novo à presidência, ainda que
lhe tenham tirado o passaporte, não poder sair do Brasil e lhe terem aumentado
o tempo de prisão. Se o Brasil deixa escapar esta oportunidade de fazer justiça
justa (passe o pleonasmo), perde definitivamente todo o respeito dos seus
cidadãos e dos países verdadeiramente democráticos.
- O frio reinstalou-se. Depois de
semanas sem acender a lareira ou os caloríficos, eis que hoje nada faltou para
fazer face ao arrefecimento da temperatura a que se juntou um vento gélido:
duas lareiras acesas desde as cinco da tarde no salão e na cozinha, o aquecedor
eléctrico no quarto. Os chineses, em companhia do senhor Mexia, esfregam as mãos
de frio, perdão, de contentamento.