Domingo,
21.
Leitores
e amigos, felicitam-me pela capacidade de trabalho, a escrita “impecável”, o
tom, a voz e não sei mais o quê. A todos agradeço. Os “editores” aspergem-me com
a originalidade dos livros, “este é o seu melhor romance”, você é um génio...
Mas depois, ao fundo da página contratual, vem escrito, preto no branco, passa
para cá dois mil e duzentos euros se quiseres ver reconhecida a tua
genialidade. Se o génio não tiver o dinheiro ou, tendo-o, se recuse a pagar
dois anos de trabalhos forçados na concepção do livro, desce de génio a indigente
e, portanto, a bardamerda sem capacidade financeira para realizar os seus próprios
sonhos.
O
comas na designação acima, evidentemente, não é extensivo a todos os editores. Os
verdadeiros, reconhecendo o valor do escritor, investem nele, ajudam-no a
atravessar o deserto de solidão e silêncio que acompanha a sua vida de recluso
em favor daquilo em que acredita, que requer concentração, isolamento, luta,
obstinação e resiliência. Esta mixórdia obscena de “editoras” que por aí proliferam e ganham
dinheiro na bolsa dos delírios e orgulhos humanos, com o fisco à distância, em
nada contribuem para o engrandecimento da Cultura, antes lançam nos leitores a
ideia de que a literatura é um passatempo, uma forma ligeira de ganhar uns
patacos, um arredondamento da reforma, um produto descartável como qualquer
outro. Pela minha parte, vou resistir. Faço-o de olhos postos em José Saramago
que acompanhei quase desde os seus dias desconhecidos. Ele passou as passas do
Algarve, mas não pactuou. Quando nos habita a certeza imperiosa da obediência à
nossa passagem nesta terra, realizamo-nos mantendo a verticalidade dos nossos
princípios e não arrastamos pelas ruas do desalento ou da vaidade o que há de
mais intrínseco em nós – a entrega a valores imemoriais transmitidos através da
cultura e do humanismo.