terça-feira, outubro 18, 2016

Terça, 18.
Vagabundagem em torno de Saint Germain com almoço no Cluny. Antes e depois da mastigação, entrei e saí de inúmeras livrarias em busca de sustento mais consistente. Depois, por volta das sete da noite, num bistro em S. Michel, deixei-me arrastar pela multidão que abandonava o bairro a caminho de suas casas. Caíam uns pingos ligeiros de chuva, o céu escuro ameaçava tempestade para a noite. De uma assentada li cinquenta páginas das cartas que trocaram entre si Klaus Mann e Stefan Zweig que havia comprado horas antes. Que mundo! Que cavo entre duas gerações, com a guerra pelo meio a definir os campos políticos e emocionais! Acabei o chocolate quente que havia saboreado entre duas páginas, e fiz-me ao caminho o metro a abarrotar de gente. Viagem de pé, comprimindo corpos nem sempre bem cheirosos, imagem tangente de uma cidade a rebentar pelas costuras.

         - Para voltar a sair, desta vez com os meus amigos. Fomos jantar a casa da Françoise que nos recebeu no seu faustoso apartamento, a mesa posta a rigor, a atmosfera serena cheia de pontos de luz dispersos por todo o lado, inclusive na varanda. Eliette estava presente e os quatro passámos à mesa para uma refeição de coquilles Saint Jacques acompanhadas de puré de cenoura e aipo, vinho do Alentejo que o porteiro do prédio lhe ofereceu, uma tábua de excelentes queijos rematada com uma tarte de frutos vermelhos. Em torno da mesa ficámos a falar de tudo e nada, até à uma e meia da madrugada, Oscar Wilde misturado porque as duas tinham ido ver a exposição que nós vamos ver hoje, assim como política, viagens, literatura, pintura, num convívio extremamente agradável que o vinho da entradas e mais o da refeição ajudou a criar. Noite alta regressámos a casa tomando a célebre rua Vaugirard, a maior artéria da cidade, passando pelo Palais-Royal onde Colette viveu e Eliette mora, contornámos depois Paris deserta, Praça da Concórdia, Campos Elísios, até Clignancourt, Saint-Denis fugindo ao imenso estaleiro que se estende por toda a capital.


         - Prosseguindo na ressuscitação deste que escreve estas divagações, aqui ficam duas imagens do jovem de vinte e poucos anos, decerto tiradas na quinta da avó Ema.