Terça, 18.
Vagabundagem em torno de Saint Germain
com almoço no Cluny. Antes e depois da mastigação, entrei e saí de inúmeras
livrarias em busca de sustento mais consistente. Depois, por volta das sete da
noite, num bistro em S. Michel, deixei-me arrastar pela multidão que abandonava
o bairro a caminho de suas casas. Caíam uns pingos ligeiros de chuva, o céu
escuro ameaçava tempestade para a noite. De uma assentada li cinquenta páginas
das cartas que trocaram entre si Klaus Mann e Stefan Zweig que havia comprado
horas antes. Que mundo! Que cavo entre duas gerações, com a guerra pelo meio a
definir os campos políticos e emocionais! Acabei o chocolate quente que havia
saboreado entre duas páginas, e fiz-me ao caminho o metro a abarrotar de gente.
Viagem de pé, comprimindo corpos nem sempre bem cheirosos, imagem tangente de
uma cidade a rebentar pelas costuras.
- Para voltar a sair, desta vez com os meus amigos. Fomos jantar a casa
da Françoise que nos recebeu no seu faustoso apartamento, a mesa posta a rigor,
a atmosfera serena cheia de pontos de luz dispersos por todo o lado, inclusive
na varanda. Eliette estava presente e os quatro passámos à mesa para uma
refeição de coquilles Saint Jacques
acompanhadas de puré de cenoura e aipo, vinho do Alentejo que o porteiro do
prédio lhe ofereceu, uma tábua de excelentes queijos rematada com uma tarte de
frutos vermelhos. Em torno da mesa ficámos a falar de tudo e nada, até à uma e
meia da madrugada, Oscar Wilde misturado porque as duas tinham ido ver a
exposição que nós vamos ver hoje, assim como política, viagens, literatura,
pintura, num convívio extremamente agradável que o vinho da entradas e mais o
da refeição ajudou a criar. Noite alta regressámos a casa tomando a célebre rua
Vaugirard, a maior artéria da cidade, passando pelo Palais-Royal onde Colette
viveu e Eliette mora, contornámos depois Paris deserta, Praça da Concórdia,
Campos Elísios, até Clignancourt, Saint-Denis fugindo ao imenso estaleiro que
se estende por toda a capital.
- Prosseguindo na ressuscitação deste que escreve estas divagações, aqui
ficam duas imagens do jovem de vinte e poucos anos, decerto tiradas na quinta
da avó Ema.