domingo, outubro 16, 2016

Domingo, 16.
Há dias, sentei-me na sala de leitura da fnac e folheei o livro de José António Saraiva, Eu e os Políticos que tanto ruído provocou. Fi-lo por mera actualidade, gostando de estar a par do que entretém o pagode governativo e intelectual. Pelo que li, não me pareceu uma obra de referência, nem tão-pouco um dicionário de comportamentos escabrosos que a imprensa propalou, e muito menos um livro de memórias. Saraiva ocupou o cargo de director do Expresso e, portanto, teve acesso a muita informação pessoal dos seus protagonistas. Servindo-se de um português acelerado, alinhado ao correr de recordações pouco sustentadas, muitas vezes fazendo salientar a personalidade conflituosa, megera e cínica das suas vítimas, o autor realçada muito do que já se sabia. Sócrates sai das suas páginas tal qual o conhecemos: inculto, conflituoso, aldrabão, imoral e servindo-se dos outros em proveito próprio. Já as relações entre Guterres e Jorge Sampaio surpreenderam-me pelo modo como Guterres trata o antigo ex-Presidente da República. Depois, grosso modo, os problemas amorosos deste e daquela, são trivialidades à imagem dos intervenientes.

         - De todo o modo, o que eu queria registar, é o eterno comportamento bem português do faz-de-conta. Gostamos mais do que parecemos, nada do que somos. A literatura diarista e de memórias, nunca conheceu em Portugal grande desafogo. A exemplo dos ingleses ou dos franceses que escolhem a verdade e os factos íntimos como forma de enriquecimento da história pessoal e nacional, expor os relacionamentos autênticos é para as “figuras públicas” portuguesas um suplício, pela simples razão de que as suas vidas insignificantes não possuem a grandeza que exibem em público. A eles só lhes convém o que sobressai da imagem que laboriosamente constroem e, portanto, fictícia. Os seus cérebros estão empedernidos das convenções, das regras, da maquilhagem. Ninguém possui o espírito livre capaz de suportável a liberdade que desapossa a grandeza ridícula, as misérias íntimas, os segredos de alcofa, as escolhas sexuais, os delitos matrimoniais, as escapadelas à norma. Existe um pavor pela revelação pública das fraquezas. Os heróis fizeram-se para ficar nas mísulas da vida ufana, sem pecado, concebidos à imagem de um deus que tem na magnificência o seu pedestal, se possível bem forrado da riqueza que impressiona e confere a importância que eles julgam só o dinheiro ter capacidade para outorgar. Daí este pequeno escândalo que foi o livro de José António Saraiva. Para uns um crime pela difusão daquilo que não devia sair da esfera privada; para outros, a maioria, o voyeurismo que entretém a classe média para quem o passageiro é sinal de cultura. Em suma: não passamos de uma pobreza borrifada de míseros pensamentos.

         - Robert, volta que não volta, traz-me do fundo do tempo aos dias de hoje, devolvendo-me a juventude esplendorosa que foi a minha. Que mundos se escondem neste olhar melancólico, neste aspecto descontraído que traduz a felicidade travada no fundo de um temperamento que se expõe sem nunca se mostrar completamente, como se a beleza fosse o pudor guarnecido de enigmas.


         - Almoço com o impagável Francis. Tempo esplendido. Frio qb.