Domingo, 16.
Há dias, sentei-me na sala de leitura da
fnac e folheei o livro de José António Saraiva, Eu e os Políticos que tanto ruído provocou. Fi-lo por mera
actualidade, gostando de estar a par do que entretém o pagode governativo e
intelectual. Pelo que li, não me pareceu uma obra de referência, nem tão-pouco
um dicionário de comportamentos escabrosos que a imprensa propalou, e muito
menos um livro de memórias. Saraiva ocupou o cargo de director do Expresso e,
portanto, teve acesso a muita informação pessoal dos seus protagonistas. Servindo-se
de um português acelerado, alinhado ao correr de recordações pouco sustentadas,
muitas vezes fazendo salientar a personalidade conflituosa, megera e cínica das
suas vítimas, o autor realçada muito do que já se sabia. Sócrates sai das suas
páginas tal qual o conhecemos: inculto, conflituoso, aldrabão, imoral e
servindo-se dos outros em proveito próprio. Já as relações entre Guterres e Jorge
Sampaio surpreenderam-me pelo modo como Guterres trata o antigo ex-Presidente
da República. Depois, grosso modo, os problemas amorosos deste e daquela, são
trivialidades à imagem dos intervenientes.
- De todo o modo, o que eu queria registar, é o eterno comportamento bem
português do faz-de-conta. Gostamos mais do que parecemos, nada do que somos. A
literatura diarista e de memórias, nunca conheceu em Portugal grande desafogo.
A exemplo dos ingleses ou dos franceses que escolhem a verdade e os factos
íntimos como forma de enriquecimento da história pessoal e nacional, expor os
relacionamentos autênticos é para as “figuras públicas” portuguesas um
suplício, pela simples razão de que as suas vidas insignificantes não possuem a
grandeza que exibem em público. A eles só lhes convém o que sobressai da imagem
que laboriosamente constroem e, portanto, fictícia. Os seus cérebros estão
empedernidos das convenções, das regras, da maquilhagem. Ninguém possui o
espírito livre capaz de suportável a liberdade que desapossa a grandeza ridícula,
as misérias íntimas, os segredos de alcofa, as escolhas sexuais, os delitos matrimoniais,
as escapadelas à norma. Existe um pavor pela revelação pública das fraquezas. Os
heróis fizeram-se para ficar nas mísulas da vida ufana, sem pecado, concebidos
à imagem de um deus que tem na magnificência o seu pedestal, se possível bem
forrado da riqueza que impressiona e confere a importância que eles julgam só o
dinheiro ter capacidade para outorgar. Daí este pequeno escândalo que foi o
livro de José António Saraiva. Para uns um crime pela difusão daquilo que não
devia sair da esfera privada; para outros, a maioria, o voyeurismo que entretém
a classe média para quem o passageiro é sinal de cultura. Em suma: não passamos
de uma pobreza borrifada de míseros pensamentos.
- Robert, volta que não volta, traz-me do fundo do tempo aos dias de
hoje, devolvendo-me a juventude esplendorosa que foi a minha. Que mundos se
escondem neste olhar melancólico, neste aspecto descontraído que traduz a
felicidade travada no fundo de um temperamento que se expõe sem nunca se
mostrar completamente, como se a beleza fosse o pudor guarnecido de enigmas.