segunda-feira, outubro 03, 2016

Segunda, 3.
Encontrei-me com a minha velha camarada Lurdes. Está quase igual não obstante os anos. Sempre mafarrica, tal como era quando trabalhou no Lisboa e no Independente e os seus artigos davam a volta à cabeça de empresários e políticos mafiosos. Não deve medir mais que um metro mas, tal como o Corregedor, traz o diabo no corpo. Envolvemo-nos como nos velhos tempos, numa discussão acalorada sobre a obra de Julião Sarmento. Ela erguendo-a com um guindaste às alturas do firmamento nacional e internacional; eu descendo-a à cave onde se guardam os objectos sem interesse nem uso futuro. O Carmo, para meu espanto, assistia a tudo em silêncio. Só mais tarde, quando almoçava no Corte Inglês, ele me telefonou para se congratular com “a coragem que tiveste em enfrentar a víbora”. Longa conversa, estando o artista inteiramente com os meus pontos de vista, mas não querendo envolver-se mais uma vez com a jornalista na reforma. Esta, com quem desci o Chiado em amena cavaqueira que não foi saudosa do passado (ufa!), levou-me inteiro e fresco aos meus vinte anos quando tudo me abrasava de revolta e ufana entrega. O tempo que medeia entre os anos Oitenta e Noventa, são afinal um hiato sem importância absolutamente nenhuma.

         - Ontem na missa das dez e meia na igreja de S. Julião, reencontrei o rapaz que toma o telemóvel por missal e durante a celebração despacha mensagens como as velhas aviam orações. Bom. Contudo, quando tentei sentar-me no último banco, tive que alçar a perna de modo a passar por cima de um pobre diabo que tinha adormecido num sono profundo de pernas abertas e costado apoiado no espaldar do assento. Durante todo o ofício, podiam-lhe bater, gritar, invocar todos os santos, dar-lhe a comunhão que ele embalado nas alturas celestiais com coros e hossanas, não estrugia nem mugia. Quando abandonei o templo, uma hora depois, voltei a cobrir-lhe o corpo para sair do banco corrido e nesse movimento aconteceu ter-lhe dado um pontapé. Não acordou, estava morto. Quer dizer à moda dos políticos quando não lhes convém falar e estrebuchar e se fingem de mortos.

         - Aqui perto, numa lixeira, alguém que demoliu a casa, deixou uma montanha de barrotes e tábuas antigas. Desde há pelo menos duas semanas que não interrompo o carrego de madeirame. Sempre que regresso a casa, saio do carro e enfio para dentro da bagageira um montão de lenha para a lareira. A recuperação que depois terei de serrar, vai contribuir decerto para não ter precisão de para o ano adquirir lenha. E vão quatro anos nisto!


         - O “Sim” mitigado dos eleitores na Hungria, veio tirar força ao ditador que governa o país. É um desses ditadores democráticos que usam e abusam do poder como os autênticos por vergonha não se atrevem.